Da fobia à cura

por Luís César Ebraico

Eu tinha um paciente com intensa fobia de sair à rua. Tanta que, atendi-o algumas vezes em sua casa, antes de atendê-lo em minha clínica, para a qual ele vinha sempre acompanhado. Após cerca de quatro meses de atendimento, à razão de duas vezes por semana, chego na recepção e vejo que ele está sozinho. Subimos e transcorre o seguinte diálogo:

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LC: — Não vi ninguém com você hoje na recepção.

CARLOS: — É, hoje eu vim sozinho.

LC: — E a fobia.

CARLOS: — Ué, passou. Desde depois da última sessão, na quinta-feira, até hoje, terça, que eu estou saindo pra todo canto, sozinho, sem sentir fobia nenhuma. Fiquei bom.

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LC: — Ah, pode ficar doente outra vez.

CARLOS: — O quê?

LC: — Pode ficar doente outra vez. Em uma terapia que não é apenas paliativa, é reconstrutora, como a que fazemos aqui, existe uma correlação palpável entre a quantidade de trabalho feito – de associações, sonhos, lembraças produzidos – e o nível de melhoria. Esse desaparecimento radical e súbito de um sintoma intenso como era a sua fobia está totalmente desproporcional à quantidade de trabalho analítico que fizemos até agora. Esse tipo de melhoria ocorre quando estamos chegando perto de algo com que o paciente tem particular dificuldade de lidar. O sintoma desaparece, o paciente sai da análise e volta algum tempo depois porque o sintoma retornou, por vezes intensificado. Claro que eu dizer para você “ficar doente outra vez” não passou de uma maneira dramática de chamar sua atenção para isso. A conduta correta, no momento, é ficarmos quietos, esperando o que vai acontecer e nos prepararmos para uma série de sessões sem sonhos e sem lembranças e em que só virão à tona assuntos banais. Logo veremos se tenho ou não razão.

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Li, uma vez, que um hospital canadense para pacientes com paraplegias de origem neurológica de origem neurológica pegou fogo. Algo como 5% dos pacientes ficaram subitamente curados e saíram correndo. Uma vez postos a salvo, a paraplegia voltou outra vez. O diagnóstico diferencial estava feito: a paralisia daqueles 5% era de origem histérica, não neurológica.

Esse tipo de mecanismo psicológico é a explicação para o comportamento de pessoas que “deixam tudo para a última hora”. Quando fica claro que não há alternativa: ou fazem o que têm o que fazer ou o prejuízo será, de fato, grande e inevitável, o MEDO de que isso ocorra faz entrar em ação forças defensivas que estavam quiescentes que bloqueiam as vias sintomáticas e desviam as energia psicológicas para o canais de uma ação adequada. Terminada a “emergência”, o sintoma volta outra vez.

É óbvio que, se o desaparecimento de um sintoma está baseado no medo (como, em nosso exemplo, o medo de morrer em um incêndio) basta passar o medo, que o sintoma volta outra vez. Como vimos no caso de Carlos, isso também acontece como resultado do próprio processo analítico: ao aproximar-se de recuperar fragmentos de sua experiência vital que provocam medo, o paciente fica subitamente curado e sai da análise. Passado o “perígo analítico”, o sintoma volta outra vez. Cabe ao terapeuta alertar seu paciente para isso.