Por que prolongamos dores inúteis?

por Angelina Garcia

Volta e meia, Leonora esbarrava na mesma sensação: aquela da adolescência, quando o garoto por quem se apaixonara escolhera sua melhor amiga. Ficaram atravessados em sua garganta o tempo de namoro entre eles, o casamento e até o filho único, para quem fora escolhida como madrinha. Também fizera um bom casamento, amava o marido e os filhos. Não havia do que se queixar. Por que, tanto tempo depois, aquela pontinha de mágoa ainda lhe cutucava, pesando nas palavras e mesmo em algumas de suas atitudes?

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Dores do passado, sejam elas originadas em perdas, rejeições, ou em algum tipo de violência, muitas vezes insistem em reaparecer ao longo da vida, com mais, ou menos intensidade. Um pensamento, uma palavra, uma imagem podem trazer de volta a sensação daquela primeira experiência. Nada há de errado nisso. A questão é a maneira como lidamos, hoje, com as dores vividas.

Podemos usar nossas dores para crescer; amadurecer; identificar o que é melhor para a nossa vida; despedir-nos das ilusões, sem descartar os sonhos; conquistar novos caminhos. Mas também podemos utilizá-las para sentir pena de nós mesmos; chamar a atenção do outro para que nos veja como coitados; ou simplesmente agarrar-se a uma dor para não abrir espaço a outras questões à espera de solução.

Alguns aspectos importantes podem ser observados entre uma e outra forma de lidar com dores antigas. Elas podem querer retornar em momentos de nossa maior fragilidade, insegurança, medo e, desse modo, fica fácil confundirmos o que realmente pertence àquele momento específico, com o que ainda perdura de sensações resultantes de vivências anteriores. Precisamos separar as coisas, antes que estas sensações se instalem e se fortaleçam, ocupando o lugar daquilo que deve ser resolvido.

Em outros casos nos acostumamos com a dor e até mesmo tiramos algum prazer dela. Sendo assim, procuramos renová-la a cada episódio parecido com aquele que a originou, chegando, inclusive, a provocar esses episódios. Ela se torna uma companhia amiga de quem acreditamos não poder nos separar, como parte de nós: necessária.

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Há também a possibilidade de se perder a dimensão da dor e enxergá-la tão grande, que não se é capaz de iniciar um movimento para abrandá-la, como se ela fosse maior que qualquer tentativa de luta. São as dores que temos como insuportáveis, mas que continuamos a suportar.

Podemos, sim, reviver alguma dor, e com igual intensidade, desde que seja para encarar, de fato, questões mal resolvidas. Se não conseguirmos fazer isto, sozinhos, recorremos a profissionais. O que não devemos é acalentar dores inúteis; continuar a saboreá-las como se saboreia um prato quente no inverno. Não é. É fria, está morta. Todo nosso esforço deve ser no sentido de fazê-la reaparecer apenas como lembrança.

Em algum momento é preciso tomar uma decisão: se queremos continuar permitindo que a dor ocupe a possibilidade de outras formas de prazer; ou se queremos nos desfazer deste peso e passar a olhá-lo até com certo humor. Se escolhermos a primeira, é melhor pararmos de reclamar da dor. Se escolhermos a segunda, acreditemos: somos capazes

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