Amizade virtual pode ser um grande exercício mental

por Katty Zúñiga – psicóloga do NPPI

“Agora eu consegui desabafar, me senti à vontade com você. Que bom que pelo menos conto com você, apesar de ser na net.” Esse tipo se frase é bastante comum em salas de bate-papo, quando as pessoas começam a criar uma intimidade com aquele que está do outro lado do computador. E esses personagens se tornam amigos virtuais. Desse modo, os relacionamentos expandem suas fronteiras e começam a ganhar mais amplitude.

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Aquele que nos escuta, que sempre está presente, aquele que, quando liga o computador, chega e fala “oi” parece estar se tornando cada vez mais um amigo, um amigo virtual. Virtual, porque ele não tem um rosto. Mesmo que tenha nos enviado uma foto ou uma imagem, não é dotado de contatos diretos e imediatos. Olhares, toques, sorrisos, cheiros são coisas que não fazem parte desse tipo de amizade.

O amigo virtual é encontrado no ciberespaço, conquistado através de um teclado e de uma tela de computador. É possível, assim, fazer-se muitos amigos em poucos minutos, conhecer pessoas de diversas nacionalidades, raças, cores. Podemos até escolher se os queremos loiros, ruivos ou morenos. As opções estão à nossa disposição, para que possamos escolhê-los conforme nossos desejos.

E, assim como escolhemos a dedo, também somos escolhidos por muitos outros. O vínculo com esses amigos virtuais se fortalece depois, no outro dia, quando se escuta o barulhinho do MSN e se percebe que aquele que se conheceu ontem está chamando. E, papo vai, papo vem, e o amigo virtual se instala na vida da pessoa.

Aparentemente, um amigo virtual é mais fácil de ser “administrado”, tanto na forma de se conhecer quanto no relacionamento. A vantagem de ter um amigo virtual é que você tem o controle da situação. Pelo menos é o que cada um dos amigos acha, já que pode cancelar a conversa se se sentir agredido ou se, simplesmente, a pessoa do outro lado não for mais interessante.

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Com o amigo real, as coisas são bem diferentes. É preciso sair de casa, e ter todo um controle, não sobre o outro, mas sobre si mesmo, para poder exercer todo aquele “jogo de sedução”. São importantes os olhares, a expressão do rosto, o tom de voz, os toques, os cheiros. Com esse amigo não podemos simplesmente bloquear ou desligar o computador. Com os amigos reais, é preciso saber conviver e respeitar as diferenças.

Por outro lado, o amigo real leva muita vantagem justamente pelo fato de oferecer esse contato pessoal. Tendo que lidar com as diferenças acima, a pessoa vai aprendendo a conviver melhor com o mundo e consigo mesma, e se conhecendo melhor. Aprende os seus próprios limites e desenvolve o respeito para com o outro. Afinal, o relacionamento não fica restrito a uma cadeira diante de uma tela.

Aparentemente parece ser mais fácil fazer amigos virtuais do que os reais. Mas isso acontece apenas porque algumas pessoas vêm procurando esse contato mais na Internet que fora dela. Mais que isso, essas conexões são muito mais rápidas e diretas, com várias chances de encontro acontecendo simultaneamente. Mas o processo envolvido é exatamente o mesmo que ocorre quando cativamos nossos amigos reais. A diferença reside justamente no fato que as pessoas não são capazes de fazer tantas conexões presenciais em tão pouco tempo. Entretanto, os contatos feitos no mundo real podem ser muito mais ricos, abrindo, de uma maneira mais sólida, um grande leque de possibilidades concretas.

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Uma coisa bastante interessante do mundo virtual é que ele funciona como uma extensão da sua consciência. Nele, as pessoas destravam quase todas as suas limitações e expressam suas fantasias, de toda natureza. Por exemplo, uma pessoa tímida, ou uma dona de casa insatisfeita, sem perspectivas e com baixa autoestima, ou ainda um executivo estressado pelo trabalho, podem descobrir novas possibilidades e superar suas limitações nesse ambiente, onde “tudo é possível”: o tímido fica extrovertido, a dona de casa se descobre sensual e desejada, e o executivo relaxa sem pressões.

Assim, viver uma amizade virtual se transforma em um grande exercício mental, onde os protagonistas se permitem explorar possibilidades que não se atreveriam experimentar no mundo presencial. Dessa forma, os relacionamentos virtuais, quando bem vividos, nos ensinam e ampliam nossos horizontes. Mais que isso: muito do que vivenciamos via computador pode ser depois resgatado e trazido para o mundo real, melhorando as performances individuais.

O problema é que, do mesmo modo que esse tipo de relacionamento ensina, ele pode “sequestrar” o sujeito para uma vida paralela que acaba sendo a sua vida principal. A fuga assim proporcionada assume dimensões exacerbadas, a ponto de que se passa a pensar que o ciberespaço é melhor que o mundo real, e os amigos lá são mais interessantes. Neste caso, não existe vínculo entre esses dois mundos. O mundo online “suga” a pessoa para dentro do computador.

O ideal é que aconteça exatamente o contrário: fazendo o bom uso dessa realidade, pode acontecer o “resgate” do amigo virtual, aproximando duas pessoas reais que se conheceram on-line. Pois um “amigo virtual” é um “amigo” antes de ser “virtual”. Se essa amizade for construtiva, exercitá-la no mundo presencial é uma evolução bem-vinda, que aliará as vantagens dos dois ambientes em torno de uma mesma pessoa. E aí as redes sociais, o MSN e chats passam a ser apenas mais uma das formas de contato, e não apenas a única.