Sente angústia existencial? Reflita sobre esse sentimento

por Monica Aiub

Muitas pessoas trazem ao consultório a queixa de uma angústia, de uma perturbação existencial que as acompanha “desde sempre”. Há casos em que se trata de uma angústia gerada por uma situação circunstancial, algo que demanda uma interferência no ambiente, nas relações, no contexto de vida da pessoa.

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Assim, essa perturbação é provocada por situações externas, e é possível identificar sua gênese, seu papel, e encontrar formas de lidar com ela. Nesses casos, buscar maneiras de intervir, de modificar contextos, ainda que tais contextos tenham acompanhado a pessoa “desde sempre” ou por um longo período de sua vida, pode ser uma resposta à queixa.

Obviamente, não se pode modificar contextos, ambientes, relações ou formas de vida sem antes averiguar as possibilidades, viabilidades e implicações de tais mudanças e avaliar se, de fato, elas podem ou devem ser provocadas. Por isso todo o trabalho de pesquisa feito através da historicidade da pessoa, de uma análise minuciosa das intrincadas relações das diferentes formas de estruturação, é imprescindível a tal decisão.

Todavia, há casos que dizem respeito a uma angústia que não é gerada por questões circunstanciais, mas trata-se de uma insatisfação, de algo que acompanha a pessoa por todo o percurso de sua existência. Para alguns, uma angústia capaz de gerar, criar novas formas de vida, uma angústia criativa. Para outros, uma angústia impeditiva, que não permite viver o que se é, em casos extremos, não permite viver.

Não que todas as pessoas sejam, por natureza, angustiadas. Há quem não tenha experimentado a angústia e nem por isso seja incapaz de criar, ou de viver bem. Mas é muito comum encontrarmos essa angústia como queixa.

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Angústia criativa

Alguns buscam ajuda incomodados por sua angústia criativa. Vislumbram uma vida plenamente feliz, com uma espécie de felicidade absoluta, onde nada incomoda, tudo é vivido com equilíbrio, harmonia e bem-estar. Será essa situação possível?

Ainda que conseguíssemos encontrar um equilíbrio total conosco mesmo, ainda assim viveríamos relações com os outros, e a sociedade na qual estamos inseridos não nos proporciona, pelo menos no presente momento, uma situação de equilíbrio, harmonia e bem-estar que atenda a todos, ou ao menos à maioria de seus membros.

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Seria essa angústia uma espécie de descontentamento mobilizador à avaliação dos modos de vida que escolhemos para nós? Seria ela a portadora da notícia da necessidade de mudança? Seria ela a provocadora a uma reflexão acerca de nossas formas de organização social e dos modos como estabelecemos nossas relações? Ou seria ela um mal a ser extirpado a todo custo?

Por um lado, temos constantemente divulgada, em nossos meios de comunicação, a necessidade de atingirmos uma espécie de “felicidade modelo”. A felicidade que se compra, que se usa, que se encontra em drogas lícitas e ilícitas, que reside na resignação, na aceitação tácita de maneiras de viver que não nos satisfazem, mas que a desculpa perfeita de ser a única possibilidade existente nos permite uma espécie de acomodação.

Por outro lado, não nos satisfazemos, em grande parte das vezes, com essa possibilidade que nos parece ser a única. Um mal-estar nos sobrevêm na maior parte do tempo e, com isso, nos sentimos infelizes, impotentes diante da impossibilidade de sermos de outras maneiras. Mas o que nos fez concluir tal impossibilidade?

Que elementos concretos possuímos para considerar algo impossível, inviável?

Se, há quinhentos anos atrás, alguém dissesse que um dia seríamos capazes de nos comunicar em tempo real com uma pessoa no outro lado do mundo, e mais, que poderíamos ver essa pessoa na tela de uma máquina, muito provavelmente esse alguém seria considerado um lunático. E hoje o lunático é aquele que nega tal possibilidade, pois ela se fez concreta, justamente por alguém acreditar ser possível.

Muitos confundem esse argumento com um argumento que defende uma espécie de “pensamento positivo”. Pense e acontecerá! Não é a isto que me refiro, e sim à possibilidade de criarmos novos instrumentos, novas formas de nos relacionarmos, de vivermos, de sermos aquilo que desejamos ser.

Às vezes criticamos algumas posturas, encontradas no pensamento mítico, que colocavam o destino do ser humano nos caprichos dos deuses do politeísmo, ou posturas que atribuíam a deuses ou demônios a responsabilidade sobre nossas ações. Quem são nossos deuses e demônios hoje? Em quais possibilidades acreditamos?

Filosofia na Antiguidade Clássica

O surgimento da filosofia, na Antiguidade Clássica, traz para o ser humano a competência de tomar as rédeas de sua própria vida, de responsabilizar-se sobre seu destino. Não se trata mais de aceitar os desígnios dos caprichosos deuses, mas de conhecer sua própria natureza e a natureza do universo que habitamos para nos situarmos e orientarmos nossas ações da melhor maneira possível.

Hoje, alguns de nós ainda atribuímos a deuses e demônios a responsabilidade sobre nossas vidas. Poderíamos chamar a esse debate autores como Epicuro, que afirmava que se os deuses existem e são tão poderosos quanto imaginamos, eles têm ocupações muito maiores e mais sérias do que ficar, caprichosamente, interferindo na vida humana. Muitos outros filósofos poderiam ser convidados a essa discussão, mas a grande questão é: estamos, como afirmou Sartre, sós e abandonados? Somos responsáveis por aquilo que fazemos com o que fizeram conosco? Quais as implicações de nossas crenças nas posturas que adotamos e nas escolhas que fazemos?

Existe destino?

Atendo pessoas que creem não ter possibilidade de modificar suas vidas, acreditam, fielmente, que seu destino está traçado por uma condição social, biológica ou de qualquer outra natureza. A consequência dessa crença, em grande parte das vezes, consiste num desânimo perante a vida, numa espécie de desistência de seus sonhos, de suas possibilidades de ser. Isso, por vezes, promove grande sofrimento. A ausência da crença na possibilidade, o descrédito em si mesmas e na flexibilidade do ser humano.

Quando modificadas essas crenças, é comum que as coisas passem a acontecer de outra maneira. O que foi isso? Mágica? Interferência do pensamento na realidade? De alguma maneira sim. Contudo, tal interferência pode ser explicada de maneira simples pela mudança de postura diante das situações. Ao invés de acreditar que determinado caminho é inviável e desistir diante de um primeiro obstáculo, certas crenças fortificam a pessoa a persistir na construção de seu caminho, a assumir uma postura mais ativa diante de sua realidade e, consequentemente, a provocar, através de suas ações, a movimentação do mundo à sua volta.

E então lhe pergunto, leitor: você já se sentiu angustiado? O que desejou fazer com sua angústia? Extirpá-la? Livrar-se dela? Ou pensá-la como forma de reavaliação de sua vida, como possibilidade de um encontro com novas formas de ser? Em que sua angústia resultou? Movimentação existencial ou paralisação?

Há que se lembrar que a angústia que paralisa, que torna a vida inviável, pode e deve ser cuidada, assim como a angústia que gera movimento, que cria, pode e deve ser estudada e utilizada para a construção de formas de vida mais condizentes com nossas necessidades e anseios. Mas deixemos a angústia que paralisa para próximos artigos.

Referências:
EPICURO. Carta a Meneceu: sobre a felicidade. São Paulo: UNESP, 2002.
SARTRE, Jean-Paul. O existencialismo é um humanismo. Col. Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1974.