Lições filosóficas de bem-estar e felicidade

por Leonel Vieira

"Que nem o jovem se demore a filosofar, nem o velho
de filosofar se canse. Não somos nem muito jovens
nem muito velhos para a saúde da alma. Quem diz
que a idade para filosofar ainda não chegou, ou já passou,
é semelhante a quem diz que a idade para a felicidade
ainda não chegou, ou já passou."
(Trecho da "Carta a Meneceu", de Epicuro,
filósofo grego, 341 a 270 a.C.).

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Em escavações de cidades gregas e romanas da Antiguidade, os arqueólogos encontraram estátuas de Epicuro em muitas casas. Embora os antigos gostassem de colecionar imagens de sábios, as estátuas deste filósofo estavam presentes mesmo nas casas de homens comuns, sem interesses intelectuais. A razão para isto é que se acreditava que contemplar o rosto de Epicuro tivesse o poder de aquietar o espírito, não por magia, mas pela força do exemplo dado pelo filósofo.

O que podemos aprender hoje com um filósofo que morreu há quase 2.300 anos atrás? Há na filosofia de Epicuro, ensinamentos que continuam válidos, se os soubermos procurar e adaptar aos tempos atuais.

Epicuro comparava a sua filosofia à medicina: queria ser o terapeuta do espírito, o médico da alma. Via sua filosofia como um remédio à disposição de todos. Sua escola, conhecida como o Jardim, assemelhava-se a uma casa de cura: um simples e tranquilo jardim nos arredores de Atenas. Ali o filósofo acolhia a todos, sem distinção: homens, mulheres, escravos e até prostitutas em crise. Buscava curar-lhes o corpo com os medicamentos mais adequados e curar-lhes o espírito com a força do exemplo.

Achava que a busca do prazer e da felicidade deveria ser o critério condutor do ser humano. Mas, nos advertia que há o prazer imediato, ao qual muitas vezes segue-se uma dor futura, e o prazer mais estável, comedido e constante. Para Epicuro, este último é o verdadeiro prazer, inseparável da tranquilidade da alma e do equilíbrio entre as diversas partes do corpo. Via a amizade como uma das mais importantes fontes deste prazer do espírito. E a prudência como uma condição fundamental para a tranquilidade da alma.

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Esta visão de Epicuro sobre a felicidade está muito próxima da definição de saúde feita pela OMS – Organização Mundial da Saúde: "(…) o estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença."

Na época em que viveu e até hoje, a filosofia de Epicuro tem sido, por vezes, interpretada como uma mera busca do prazer do corpo. Mas esta é uma visão superficial que o próprio filósofo rebate: "(…) quando dizemos que o prazer é o bem completo e perfeito, não nos referimos aos prazeres dos dissolutos ou dos crápulas, como acreditam alguns que não conhecem, ou não partilham, ou mal interpretam a nossa doutrina, mas sim a não ter dor no corpo ou inquietação na alma. Posto que não fazem uma vida feliz nem os banquetes e as festas contínuas, (…) mas o cálculo judicioso que procure as causas de cada ato de escolha ou de recusa, que afaste as falsas opiniões, das quais nascem as maiores inquietações.

Com isto Epicuro quis dizer que é importante, para uma vida saudável e feliz, realizarmos coisas que nos dão prazer. Porém se não soubermos moderar nossas necessidades, ficaremos dependentes destes prazeres e eles acabam virando dor.

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Por exemplo, um vinho, uma cerveja, um whisky ou uma boa cachaça, podem ser fontes de prazer ao paladar, um facilitador de uma interação descontraída com um grupo de amigos ou a dois. Contudo, o excesso destas bebidas pode dificultar esta interação e, se este excesso se tornar um hábito, criará uma dependência que só nos produzirá dor.

O mesmo vale para os demais prazeres físicos, como a alimentação, sobre a qual recomenda Epicuro: "acostumar-se a alimentos simples e frugais é um bem para a saúde, torna o homem atento às exigências da vida, e se, à vezes, nos acostamos à vida suntuosa, nos encontramos melhores preparados em relação a ela e destemidos em relação ao destino".

Em outras palavras, a alimentação mais equilibrada e frugal deixa-nos mais bem dispostos, mais resistentes aos fatores estressantes da vida e, portanto, mais saudáveis, o que a ciência médica atual confirma. E ao nos acostumarmos a nos alimentar desta forma, ficamos também mais facilmente satisfeitos, tanto nas épocas de fartura, quanto nas de escassez. Entretanto, esta recomendação do filósofo nada tem a ver com os exageros dos regimes alimentares que podem levar à bulimia e a anorexia. Estes exageros ditados pela moda são patologias de comportamento que vão numa direção oposta ao que Epicuro ensinava, pois não libertam, mas escravizam, não levam à saúde, mas à doença.

Epicuro também fala das falsas opiniões que levam às maiores inquietações, obstáculo à felicidade. Esta idéia se aproxima de modernas descobertas da Psicologia Cognitiva, sobre crenças negativas que desenvolvemos e que nos dificultam atingirmos um bem-estar.

Bibliografia:
Abrão, Bernardette Siqueira. História da filosofia. Ed. Nova Cultural: São Paulo, 2004.
Helferich, Christoph. História da filosofia. Ed. Martins Fontes: São Paulo, 2006.
Nicola, Ubaldo. Antologia ilustrada da filosofia: das origens à idade moderna. Ed. Globo: São Paulo, 2005.