Por que temos tanta dificuldade de entender, de fato, o que o outro quis dizer?

por Monica Aiub

Significado é, em filosofia clínica, um tópico da Estrutura de Pensamento. Nele o filósofo clínico não significa segundo teorias filosóficas aquilo que a pessoa traz à clínica, mas estuda os modos pelos quais o partilhante (paciente) atribui significados aos dados de seu existir, em outras palavras, observa o processo de significação próprio daquela pessoa.

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Muitos foram os autores que tentaram estabelecer significados a priori, e cotidianamente, muitas pessoas prosseguem fazendo o mesmo: vestir assim significa…, comportar-se assim significa…, esta palavra significa…, possuir tais objetos significa…

Criamos verdadeiras prisões tentando corresponder a padrões que muitas vezes não fazem sentido a nós mesmos, e por vezes nem ao outro; geramos muitos equívocos com formas cristalizadas de ver o mundo, sem considerarmos que os significados se dão na dinâmica da existência, nas trocas, nos diálogos com o outro, no coexistir.

O leitor pode considerar complicado não termos significados estabelecidos previamente, em especial se teve uma formação que lhe "ensinou" a ler os "verdadeiros significados do universo" e agir de acordo com a interpretação "inequívoca" dos "sinais do mundo". Contudo, qual a garantia de termos "aprendido" a ler os "verdadeiros significados do universo" ao invés de termos construído uma ficção prejudicial tanto ao outro como a nós mesmos? O que nos faz crer que uma interpretação possa ser "inequívoca"? O que nos permite acreditar que há "sinais do mundo"? Até que ponto eles existem? E se existirem, sabemos de fato lê-los?

Um dado muito interessante que ocorre no trabalho em filosofia clínica é a possibilidade de observarmos nossos próprios padrões e processos. Eles não são naturais, no sentido de serem inerentes à natureza humana ou àquela pessoa desde sua origem como embrião; são construções existenciais que ocorrem a partir de nossas bases biológicas, sociais, culturais, políticas etc. O fato de o serem nos permite modificá-los, embora, nem sempre, e em alguns casos na maioria das vezes, não tenhamos consciência deles, nem controle sobre nossos processos.

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Exatamente por isso torna-se tão interessante observá-los, pois ao conhecer e avaliar os próprios processos de significação é possível, primeiramente, avaliar até que ponto e em quais condições são válidos e, se for o caso, corrigi-los, substitui-los, modificá-los.

Para avaliar a validade de nossos processos de significação é preciso, antes de tudo, uma análise lógica dos mesmos, que demonstre sua validade ou não validade. Contudo, a lógica é insuficiente para a validação de um processo de atribuição de significados, pois não há um significado universal sem contexto.

Isto nos mostram filósofos como Wittgenstein, que em seu livro "Investigações Filosóficas" defende que o significado de palavras, gestos, expressões etc. encontra-se no uso. Ele nos apresenta a ideia de "jogos de linguagem", regras de significação que estabelecemos ao "jogar", ou seja, no uso. Observe como você habitualmente se comunica com as pessoas próximas. Certamente há expressões, olhares, gestos, posturas que indicam algo muito próprio a você e à pessoa com quem está se comunicando. Isto não ocorre universalmente. Não há um olhar que signifique algo sempre, ainda que tentemos traçar tais tipologias. Mas quando convivemos muito com alguém, sabemos que determinados olhares podem significar isto ou aquilo.

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Contudo, é também interessante observar que o mesmo olhar pode, em diferentes contextos, significar coisas muito diferentes, assim como palavras, gestos, sorrisos, silêncios, posturas e quaisquer formas de expressão. Afirmo, aqui, que ainda que se trate de uma mesma pessoa e uma mesma expressão, o significado pode ser distinto, dependendo de uma série de fatores contextuais.

John Searle, filósofo americano, em seu livro "Expressão e Significado", defende que não há significado literal, sem contexto. Há sempre um background a partir do qual os significados são atribuídos.

Com tantas possibilidades distintas, os equívocos acontecem constantemente. Posso querer dizer algo e ser compreendida de modo completamente diferente de minha intenção. Posso compreender o que o outro diz de modo muito distorcido. Muitos desentendimentos ocorrem por isso.

Por este motivo, é importantíssimo, em filosofia clínica, não apenas perguntar à pessoa "O que isso significa?", como compreender os processos de construção de significados a partir dos contextos existentes. O filósofo clínico constrói, juntamente com o partilhante, um "jogo de linguagem", falando a mesma língua. Mas para isto, é imprescindível a pesquisa, a observação, o respeito à singularidade de cada um.

Imaginem o que seria se conseguíssemos, em nosso convívio, estabelecer "jogos de linguagem" que evitassem os equívocos. Imaginem se, antes de nos desentendermos, perguntássemos: "O que você quer dizer com isso?", e obtivéssemos como resposta a descrição ou exemplificação daquilo que a pessoa realmente quer dizer.

Claro que existem outras questões no que se refere à linguagem. Muitas questões para além de correção, clareza, adequação… São questões ideológicas, interesses, distorções com intenções de gerar ações… Mas estas questões também podem ser observadas e compreendidas quando pesquisamos os processos de atribuição de significados.

Como você constrói seus significados?

Referências Bibliográficas:
COSTA, C. Filosofia Clínica, Epistemologia e Lógica. São Paulo: FiloCzar, 2013.
PACKTER, L. Semiose: Aspectos traduzíveis em clínica. São Paulo: FiloCzar, 2014.
SEARLE, J. Expressão e Significado. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
WITTGENSTEIN, L. Investigações Filosóficas. Petrópolis: Vozes, 2005.