Linguagem e significado: como você evita um mal entendido?

por Monica Aiub

John Searle, no livro “Mente, linguagem e sociedade,” questiona como atribuímos significado a uma rajada de sons que sai de nossas bocas. De um lado, como aquele que emite tais sons os significa? Qual a direcionalidade de sua fala? O que pretende com ela? O que significa para ele emitir tais sons? Por outro lado, como o ouvinte significa os sons que recebe?

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Qual a direcionalidade de sua atenção para o que ouve? O que significa para ele ouvir tais sons em tais contextos?

Como tratamos de sons emitidos em contextos, que trazem, juntamente consigo, entonações, expressões faciais, gestuais, corporais, associam-se a outros sons também emitidos no mesmo ambiente, trazem estruturas linguísticas próprias, que podem significar diferentes elementos, não é possível tratar apenas do som mas, principalmente, de suas formas de significado.

Ao tratar dos atos da fala, Searle nos mostra que o falante pode simplesmente falar. Pode também desejar que sua fala provoque a ação do ouvinte, mas nem sempre isso ocorrerá. Para atingir tal objetivo, é preciso que encontre o que ele denomina como “condições de satisfação”. Por exemplo, eu desejo provocá-lo a ler o livro de Searle, por isso, escrevo este texto tratando de tais questões. Entre os vários leitores do texto, talvez alguns tenham disposição e interesse por tal leitura e sintam-se estimulados a realizá-la. Mas, provavelmente, muitos dos leitores não terão interesse, e não procurarão o livro de Searle para ler.

Imagine agora você, falando com alguém de suas relações, pretendendo que esta pessoa tome uma atitude a partir de sua fala. Você precisa dar uma ordem? Ou basta perguntar algo? Se der uma ordem, isso levará à ação? Ou é necessário que você faça outro tipo de intervenção para obter a ação que deseja? Agora observe você e sua conduta. Que tipo de fala, vinda de quem, em quais contextos, é capaz de movimentar-lhe? Quantas vezes você ouviu queixas das pessoas com quem convive, dizendo que você não escuta, e querendo, dessa maneira, significar que suas falas não têm impacto sobre suas ações?

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Consideremos os contextos de tais falas. Há um contexto socialmente traçado que exige, em alguns casos, que algumas falas levem a algumas ações. Se você simplesmente desconhecer tais contextos, essas falas talvez não tenham, para você, tais significados. Se você partir de princípios diferentes daqueles estabelecidos em tais contextos, talvez você signifique essas falas de modo diverso, possivelmente até contraditório àquilo que se espera.

Por outro lado, se você compreender tais significados, mas não tiver disposição para a ação, aquela fala não terá o poder esperado para mover-lhe. Quantas vezes você compreendeu o que o outro desejava com sua fala, mas simplesmente optou por não atender ao que lhe foi pedido ou ordenado?

Posições padrão

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Assim, voltando ao texto de Searle, ele aponta para um mundo real no qual nos inserimos, com suas chamadas “posições padrão”, que são as crenças a partir das quais lemos este mundo. Não as questionamos, apenas partimos delas como padrões que aceitamos. Além delas, faz-se necessário observar as “condições de satisfação”, ou seja, se na realidade na qual nos inserimos, aquilo que pensamos pode ser efetivado. E mais, se aquilo que desejamos provocar com nossa fala encontra possibilidade de efetivação no mundo, através de nossa fala. Contudo, a observação de nossos estados intencionais depende de nossa intencionalidade, ou seja, de nossa direcionalidade, no sentido que nos permite, observando uma mesma experiência, focalizar nossa atenção num ou noutro ponto.

Assim, poderíamos definir, grosso modo, a intencionalidade como nos apresenta Searle no livro Intencionalidade, como “aquela propriedade de muitos estados e eventos mentais pela qual estes são dirigidos para, ou acerca de, objetos e estados de coisas no mundo”. A intencionalidade é, portanto, fundamental para a atribuição de significados, pois dependendo da direcionalidade, poderemos atribuir diferentes significados à mesma palavra ou ao mesmo evento.

Além disso, há para Searle, o background, ou seja, o know-how, ou ainda, um background de base, comum a todos os seres humanos, tal como nossa constituição biológica básica; e um background local, relativo a práticas culturais locais. Em outras palavras, o modo como vejo o mundo e o modo como faço as coisas.

Daí deriva-se que, ainda que possuamos sentenças semanticamente perfeitas, elas serão incompreensíveis, exceto se contextualizadas em seu plano de verdade, ou seu pano de fundo. É o background, assim compreendido, um fator fundamentalmente biológico ou um fator social?

“O background, portanto, não é um conjunto de coisas nem um conjunto de relações misteriosas entre nós e as coisas, mas simplesmente um conjunto de habilidades, suposições e pressuposições pré-intencionais, posturas, práticas e hábitos. Tudo isso, até onde se sabe, é realizado nos cérebros e corpos humanos. Não há absolutamente nada de ‘transcendental’ ou ‘metafísico’ acerca do background, no sentido em que estou empregando o termo” (Searle, 1995: 213-214).

O background proporciona um conjunto de condições para o funcionamento de formas particulares de fundação da intencionalidade, e essa difere de outros fenômenos biológicos por ter uma estrutura lógica. Poderíamos, então, construir, a partir de nossos hábitos, suposições, pressuposições e posturas, diferentes significados para nossas palavras, gestos, imagens ou formas? Para nos entendermos, precisaríamos minimamente compreender os hábitos, suposições, pressuposições e posturas do outro. Precisaríamos, também, acompanhar suas formas de intencionalidade e, ainda, compreender o real a partir de uma mesma estrutura lógica. Você costuma fazer todo esse exercício cotidianamente? Como evita o mal entendido?

Referências Bibliográficas:

Searle, J. A redescoberta da mente. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
_____. Expressão e significado. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
_____. Intencionalidade. São Paulo: Martins Fontes, 1995.
_____. Mente, linguagem e sociedade. Rio de Janeiro: Rocco, 2000.