Reflexão: você me ama!

por Luís César Ebraico

Nossa cultura é uma cultura assustada. Não digo CONJUNTURALMENTE assustada, ou seja, com indivíduos capazes de ajustar seu nível de medo ao perigo provável do ambiente em que está inserido. Digo ESTRUTURALMENTE assustada, ou seja, mantendo um alto nível de medo, mesmo em situações em que ameaças relevantes são bastante improváveis. Gosto muito de um poema de Drummond que aponta para isso:

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“Provisoriamente não cantaremos o amor,
que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos.
Cantaremos o medo, que esteriliza os abraços.
Não cantaremos o ódio, porque esse não existe,
existe apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro,
o medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos,
o medo dos soldados, o medo das mães, o medo das igrejas,
cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas,
cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte,
depois, morreremos todos, de medo.
e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas.”

Esse medo estrutural leva naturalmente à necessidade de nos camuflarmos, de nos escondermos, criando uma multidão de indivíduos escondidos debaixo de um pseudo-eu. Tal se vê nos menores detalhes de nossa vida cotidiana. Uma boa ilustração disso gira em torno do que os ingleses chamam de “fishing for compliments” (literalmente = pescar louvores, elogios): uma pessoa está sentindo necessidade de ser elogiada, como não OUSA EXPOR sua necessidade, dá uma imensa volta. Escolhe alguém – que ela sabe de antemão valorizá-la – e faz, diante desta, um comentário em que se autodesmerece, esperando que a outra venha logo com o desmentido, para consolá-la. O processo, naturalmente, é pouco sério: a pessoa não expõe que está sentindo-se carente e faz um joguinho para levar a outra a elogiá-la. Acontece que, particularmente em certas relações amorosas, isso pode se tornar um inferno, com uma das pessoas acusando ininterruptamente a outra de não a amar e a outra eternamente acuada tendo que provar o contrário. Uma das melhores maneira de desmanchar esse comportamento pouco sério é levá-lo a sério. O diálogo abaixo serve de ilustração.

ELA (tom dramático): — Por que você não me ama!

ELE (tom surpreso e preocupado): — Será? Eu nunca tinha pensado nisso! Não gostaria de estar enganando a você – e a mim – todo esse tempo! Se for assim, gostaria que você me ajudasse a perceber isso.

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ELA (saindo do tom dramático): — Tá legal. Outra hora. Você quer um cafezinho?

Testem. Dá supercerto.