Traição virtual é de fato uma traição?

Katty Zúñiga – psicóloga do NPPI

Às vezes nos perguntamos qual seria a nossa reação se nos deparássemos com um caso de traição pela Internet. Para discutirmos se existe essa modalidade de traição, precisamos antes entender o que é traição. Será que é somente a quebra de algum contrato determinado entre duas partes? Será que isto acontece de diferentes maneiras para cada sociedade ou cultura? Ou será que está implícita em cada individuo?

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De fato, isso varia de acordo com cada indivíduo, com seus princípios morais e religiosos. Por exemplo, podemos citar a cultura muçulmana, onde o homem pode ter o número de mulheres que desejar, sempre e quando ele tenha possibilidade de sustentar todas elas. Ainda nesse mesmo caso, todas as mulheres que ele venha a ter aceitam este fato como normal, pois isto faz parte da sua cultura.

Na nossa sociedade ocidental, verificamos que este conceito varia muito, já que é muito sabido que existem pessoas que incentivam seus parceiros a ter relações extraconjugais para melhorar o amor do casal. Da mesma forma, encontram-se facilmente casais na Internet a procura de sexo para satisfazer seus fins.

Cabe aqui também uma outra pergunta: será que alguém que trai na vida real ou na Internet não estaria à procura de algum tipo de relacionamento que preencha a sua carência ou a sua falta de amor?

Para nos ajudar a responder todas essas dúvidas, vamos recorrer à história e à mitologia.

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No século XII, os trovadores (nobreza de Provença, conhecidos como os cantores do amor) estavam muito interessados na psicologia do amor, e foram os primeiros, no Ocidente, a pensar no amor do modo como ainda hoje o fazemos – como uma relação entre apenas duas pessoas. Antes deles, o amor era simplesmente uma expressão de Eros – o deus grego que excitava o apetite sexual; ou de Ágape – o amor espiritual, do tipo "ame o seu próximo como a si mesmo, sem importar-se com quem seja a pessoa". Estas formas de amor eram bem diferentes da experiência de apaixonar-se, como os trovadores a compreenderam e pregaram. As pessoas daquela época não tinham o conhecimento do amor como o conhecemos hoje. O amor dos casais, na atualidade, é algo muito pessoal e Eros, assim como Ágape, eram formas impessoais de amor.

Mas, segundo Joseph Campbell (em "O Poder do Mito"), o amor, como nós o entendemos, é um ideal puramente pessoal, aquela espécie de arrebatamento que deriva do encontro dos olhares. Como prega a tradição trovadoresca, é uma experiência entre duas pessoas. Mas será que pode existir esse tipo de amor pela Internet, uma vez que geralmente esses encontros apenas acontecem com desconhecidos uma vez e nada mais? Essa busca pelo prazer puro, nos moldes de Eros, representam um ferimento no amor, uma quebra do "contrato"? Novamente essa é uma questão individual, que depende dos conceitos morais de cada pessoa, de cada casal.

O problema maior aparece quando o relacionamento evolui, como na história de Tristão e Isolda. De acordo com este mito, Isolda estava comprometida com o rei Mark. Em sua viagem para se encontrar com o futuro marido, ela foi escoltada por Tristão. No caminho, os dois acidentalmente beberam uma poção que a mãe de Isolda havia preparado para que a filha e o rei se apaixonassem. Na verdade, o mito conta que eles já estavam apaixonados; a poção apenas trouxe à tona esse amor. Pelos padrões medievais, esse amor altamente espiritualizado era considerado adultério, uma heresia. O casamento válido, o contrato, era o que deveria ter acontecido com o rei.

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Transpondo esse mito para nossa realidade, a Internet funcionaria como a poção da mãe de Isolda. Ela serviria como um facilitador, para alguém que já está vivendo problemas latentes – ainda que não percebidos – no relacionamento atual. Nesse caso, aqueles encontros de apenas uma ocasião podem se transformar em algo muito mais real e frequente.

Em resumo, respondendo essa dúvida tão frequente: existe uma real traição nos encontros esporádicos tidos com desconhecidos, via Internet? A resposta essencial a essa questão realmente fica restrita ao íntimo de cada um, não podendo ser generalizada de nenhuma maneira. Por outro lado, se a Internet foi a "poção" que viabilizou o surgimento de um relacionamento completo, com uma terceira pessoa, então fica difícil negar que tenha havido uma traição, e com a ajuda da Internet.