Como manter um dependente de drogas limpo após internação involuntária?

por Danilo Baltieri

"É possível que um dependente de drogas se recupere e se mantenha limpo depois de uma internação forçada? Como devo agir no seu retorno para casa? Devo deixá-lo sair ou prender e ficar o tempo todo grudada nele? Estou sem saber que atitude tomar."

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Resposta: Embora as dependências sejam doenças crônicas, existe uma tendência de muitas pessoas leigas ou não leigas em acreditar que elas são doenças agudas.

Ou seja, uma vez realizada a desintoxicação (entendida aqui como a “retirada” da droga do corpo do doente), o problema estará terminado. Infelizmente, isso não é verdade.

As dependências químicas são doenças que afetam o funcionamento cerebral por tempo duradouro e a desintoxicação é apenas um passo inicial do tratamento médico e psicológico do problema. Além disso, múltiplas áreas da vida do indivíduo são comumente afetadas, tais como: relacionamentos familiares, emprego, saúde física e mental, habilidades sociais, capacidade de desempenho social.

Desta feita, o tratamento deve ser longo, envolvendo múltiplas formas de manejo adequadamente recomendadas e indicadas por profissionais altamente qualificados na matéria.

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Existem certas condições clínicas onde a internação involuntária de um dependente químico pode ser recomendada, seguindo os mais preciosos ditames éticos. Todavia, razões para internação involuntária têm grandemente variado dependendo do país onde moramos, do momento histórico, e das revisões jurídicas realizadas ao redor do tema. Dessa forma, é dever do profissional da saúde estar atualizado em relação aos procedimentos apoiados por seus órgãos de classe.

De uma forma bastante geral, as principais indicações para uma internação voluntária que invariavelmente são preconizadas em diferentes localizações ao redor do mundo são:

a) risco de autoagressão;

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b) risco de heteroagressão;

c) incapacidade para prestar autocuidados;

d) grave doença física concomitante com iminente risco de morte;

e) falta de supervisão parental ou familiar adequada diante de uma doença grave e deteriorante.

No Brasil, o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo reza:

A decisão do psiquiatra em indicar a internação ocorre, no mais das vezes, quando ao diagnóstico de transtorno mental se acrescenta ao menos uma das seguintes condições:

(a) risco de autoagressão;

(b) risco de heteroagressão;

(c) risco de agressão à ordem pública;

(d) risco de exposição social;

(e) incapacidade grave de autocuidados.

No caso de hospitalização involuntária (contra a vontade do paciente), a Portaria do Ministério da Saúde 2.391/GM/2002, em consonância com a Lei 10.216/2001 e no espírito da Resolução CFM 1.407/19942, prevê a obrigatoriedade de comunicação ao Ministério Público Estadual em até 72 horas.

Caso o médico decida indicar uma internação involuntária para um paciente, ele deverá:

a) avaliar a capacidade do paciente em entender, apreciar e comparar o tratamento oferecido;

b) registrar adequadamente em prontuário o motivo da sua indicação, justificando adequadamente;

c) registrar as razões pelas quais uma outra forma de tratamento não seria adequada;

d) registrar as razões da recusa do paciente para uma internação (discurso delirante, razões expressas, *mutismo, características do estado clínico do doente);

e) expor riscos e benefícios do tratamento específico ao paciente;

f) registrar história de tratamentos prévios, falhas nos tratamentos já realizados;

g) informar o paciente sobre a razão da indicação da internação involuntária;

h) tratar o paciente adequadamente e tentar o quanto antes tornar esse tratamento voluntário, demonstrando continuamente a necessidade dos cuidados intensivos à sua saúde.

Alguns aspectos devem ser sempre levados em consideração quando do delineamento de programas de internação para dependentes químicos:

a) O período de internação deve ser individualizado para cada paciente, sempre baseado em medidas objetivas de adesão, motivação para cessar o uso, níveis de fissura ou craving, indicadores de saúde física e mental, suporte familiar e social. A dependência química é uma doença crônica, caracterizada por moderados a altos e recorrentes níveis de fissura e altas chances de lapsos e recaídas. Logo, o tratamento deve ser altamente estruturado e realizado por profissionais bastante capacitados;

b) Os programas de tratamento devem ter um alto nível de estrutura. Psicoterapias, grupos de mútua ajuda, utilização de medicações comprovadamente eficazes no manejo das dependências químicas, monitoração das condições físicas e psicológicas, monitoração da fissura ou craving, grupos psicoterapêuticos, psicoeducacionais e de mútua ajuda envolvendo familiares e amigos são bastante importantes;

c) Programas de tratamento devem ter níveis diferenciados de intervenção. Tendo em vista que a população que padece dessa doença mental é extremamente heterogênea, níveis variados de intervenção e tratamento devem sempre ser utilizados. O modelo do tipo “one size fits all” (um modelo único para todos serve) não deve ser recomendado nem tampouco aplicado;

d) Os programas instalados devem ser reavaliados frequentemente principalmente quanto à efetividade ou eficácia do manejo utilizado. Pesquisas devem ser sempre estimuladas e patrocinadas por instituições governamentais e de fomento para aperfeiçoamento dos modelos de tratamento, levando em consideração a heterogeneidade dos doentes e a multiplicidade dos tratamentos existentes e novos;

e) Os programas de internação devem ter íntimo contato com os serviços de contrarreferência, ou seja, ambulatórios, hospitais-dia, centros de atenção psicossocial, núcleos de atenção psicossocial, serviços sociais e serviços de promoção social.

Desenvolver instituições para internação, sem organizar serviços de tratamento e acompanhamento ambulatorial não vai nem de longe gerar um resultado minimamente satisfatório para aqueles que padecem deste problema.

*Mutismo: Qualidade ou estado de quem não fala ou não quer falar.

Abaixo, forneço interessante referência sobre o tema:

Appelbaum OS, Gutheil G. Clinical handbook of Psychiatry & Law. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2007.