Jung e o Enamorado: por que é tão difícil decidir?

por Roberto Goldkorn

Estive apaixonado por uma mulher maravilha. Ela era a a encarnação de tudo o que os meus sonhos mais travessos pintavam e bordavam na minha febril imaginação. De repente ela estava ali na minha frente e me entregando a sua escritura de corpo e alma. Só havia um problema eu era casado, adorava a minha mulher e a minha família. Nem nos meus piores pesadelos poderia imaginar passando o resto da minha existência sem eles.

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Eu sabia que manter aquela situação era uma missão impossível até para o Tom Cruise, assim eu teria de decidir: qual das duas? Qual o caminho certo a tomar? Suportaria eu viver com a perda do lado não escolhido? A minha felicidade após a escolha seria plena, sabendo que abandonei uma outra metade de mim, dos meus sonhos e projetos de vida?

O Enamorado

Embora esse seja um enredo bem real para muitos dos leitores que estão lendo, no caso é apenas a descrição de um arquétipo existencial, expresso pela lâmina do Tarô O Enamorado, onde um homem se encontra ladeado por duas mulheres (tradicionalmente chamadas de vício e virtude). Essa carta representa um modelo de dilema crucial no caminho da independência psicológica do indivíduo. Crescer, emancipar-se da tutela paterna, da tutela das instituições, da tutela do medo e da superstição, é um processo sempre doloroso, por isso mesmo driblado com mais ou menos talento pela imensa maioria das pessoas.

Jung o famoso psicólogo suíço, ex-discípulo de Freud, e criador da psicologia analítica, nos diz que fugir a esses desafios do crescimento é permanecer criança, dividido, não inteiro, escravo precisando de senhores que o levem ora pela mão, ora pelo chicote. Fazer escolhas quando os dois caminhos oferecem iguais vantagens e desvantagens é sempre doloroso, penoso. O medo de tomar a decisão “errada” que no futuro gere arrependimento, critica e acusações é o combustível maior desse processo. Contrariar os pactos anteriores, rasgar os contratos feitos antes do dilema se impor, é uma barra pesadíssima que aumenta de peso na medida dos escrúpulos e da força moral do sujeito que precisa decidir. Essa é a outra dimensão do arquétipo.

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Uma pessoa desprovida desses freios morais, um psicopata por exemplo não sofre desse dilema de crescimento. Pessoas com fracos vínculos sociais, morais, espirituais, dificilmente sofrem diante das escolhas, elas sempre são levadas pelo primeiro impulso egocêntrico, de pura satisfação instintiva, de imediatismo, e não se perturbam com o sofrimento que suas decisões poderiam vir a causar, assim como não se inquietam com as conseqüências futuras de seus gestos. Assim o Enamorado é uma carta das pessoas psicologicamente e emocionalmente saudáveis. Mais que isso, é uma encruzilhada arquetípica das pessoas que pensam, das racionais, que se dão ao desfrute de pensar, medir, pesar e que tentam decifrar a vida com as toscas ferramentas da sua mente consciente. A cultura popular está cheia de ditados que expressam esse desafio ao crescimento: “Você não pode fazer omelete sem quebrar ovos, ou nessa tradução de um ditado inglês: “Você não pode comer o bolo e continuar com ele diante de si.”

Na vida real as questões são mais ou menos assim: Quem será a melhor para mim: a loura ou a morena? A doidona ou a centrada? Continuo nesse casamento morno e sem amor ou aceito fugir com o motorista por quem me derreto? O que será melhor para o meu futuro aceitar esse emprego ou me aventurar nessa microempresa? Essas decisões, principalmente quando estão com muitas ramificações espalhando por outras áreas e afetando outras pessoas, são as esfinges que surgem no caminho da individuação. São as provações do indivíduo ainda divíduo, como a criança que sofre ao ser cobrada a dizer se ama mais o pai ou a mãe. Mas sem elas a oportunidade de largar a fralda não existiria, e o destino inexorável do ser seria fazer parte dos rebanhos apascentados pelos ladinos pastores que raposamente fizeram suas escolhas sem medo de serem felizes.

Decidir e arcar com as conseqüências é o único caminho para a libertação. Decidir e saber lidar com as perdas advindas da renúncia, decidir e administrar as elucubrações da mente com os seus inúmeros “e se…” é tarefa para gente grande: pessoas, indivíduos cheios de cicatrizes de uma guerra particular. Existem outras opções? Claro, você pode seguir o modelito psicopata tomando as decisões sem piscar o olho, ou pode atravessar a vida deixando a vida te levar, sem compromisso e enchendo a cara, acendendo uma vela para Deus e outra para o diabo (afinal você não quer mexer com quem está quieto). A decisão é sua.

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