Brasil aproveita mal sua biodiversidade para a produção de fitoterápicos

por Alex Botsaris

O Brasil é um dos países que possui uma das maiores biodiversidades do planeta Terra. Entenda-se biodiversidade como a diversidade de espécies que habitam nos *biomas, em termos de quantidade e de variedade. Estima-se que o Brasil possua entre 80 e 100 mil espécies, das 250 mil que devem ocorrer em todo mundo. Ou seja, praticamente um terço de todas espécies do planeta. É um país de dimensões continentais cujo território se situa exclusivamente em regiões equatoriais e tropicais – as que favorecem as maiores biodiversidades.

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No Brasil estão situados alguns dos biomas mais ricos em espécies do mundo, como a Amazônia, a mata atlântica e o cerrado. Se tudo isso já não fosse suficiente, temos ainda outros biomas de grande potencial como a caatinga, os campos rupestres, os ecossistemas de restinga e o pantanal. Mesmo assim quando avaliamos o mercado internacional de produtos da biodiversidade, como fitomedicamentos e fitocosméticos ou mesmo de exportações de ativos da biodiversidade para o mercado farmacêutico e de cosmética, a participação do Brasil é ridícula – menos de 0,1% de um mercado estimado em 200 bilhões de dólares.

Quando olhamos para o mercado interno a situação é mais crítica e nos dá ainda mais desânimo frente à dureza dos fatos. Até hoje, praticamente nenhum medicamento fitoterápico, à base de plantas brasileiras, foi aprovado pela Anvisa, a agência de vigilância sanitária. Para não ser injusto, o laboratório Aché aprovou um antiinflamatório de uso local à base de Cordia verbenacea – a erva baleeira – alguns pequenos laboratórios conseguiram aprovar o extrato de espinheira santa para gastrite e o Laboratório Catarinense conseguiu manter seu produto Catuama no mercado.

Se comparamos com nossos vizinhos da América do Sul, isso nos dá idéia do nosso atraso nessa área específica. A maioria dos países como Argentina, Peru, Chile e Colômbia possuem registro de diversos fitoterápicos de origem local no mercado e já começam a exportar para os Estados Unidos e Europa.

Plantas que existem no Brasil como o lapacho (nosso ipê), a unha de gato, a muirapuama (nossa marapuama) estão com um sistema de produção e exportação montado e eficiente no Peru e Colômbia. Aqui no Brasil, só extratos europeus estão aprovados pela Anvisa como fitoterápicos e dependemos de importação para seu uso.

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Afinal, o que acontece conosco, para sermos os lanternas até na América Latina, mesmo sentados em cima desse enorme tesouro biológico? Bom são muitos fatores. Vamos começar pela falta de vontade do governo, que se exprime na ausência de uma política de estimulo a ciência direcionada para o aproveitamento da nossa biodiversidade. É preciso que cientistas e universidades trabalhem de forma cooperativa em torno de um objetivos previamente consensados.

Seria excelente haver um fundo focado na pesquisa da biodiversidade brasileira e sistemas de organização para que os resultados de pesquisa fossem otimizados, gerando novos produtos potenciais para o país explorar economicamente. Isso ajudaria as comunidades tradicionais, criaria valor agregado a nossas florestas, ajudando na sua preservação. Mas faltam programas, objetivos e principalmente dinheiro. O que tem salvado um pouco é o projeto biota – do governo do estado de São Paulo, que vem levantando e tomando posse do patrimônio genético, mas limitado àquele estado.

Quando o governo criou a Anvisa no final dos anos 90, a expectativa era de que o mercado teria um órgão regulador equilibrado que auxiliaria a amadurecer o mercado brasileiro. No início surgiram algumas dificuldade e exigências excessivas para os fitoterápicos, mas a idéia era de que, com o diálogo, a situação caminharia para um equilíbrio. Ao invés disso, houve uma mudança no sentido contrário, com o aparelhamento que partidos políticos fizeram na agência. Mais rigidez e regras que não podiam ser cumpridas pelos pequenos laboratórios brasileiros resultou desse equívoco. Com isso diversos laboratórios tradicionais de fitoterápicos, que mantinham produtos há mais de 50 anos no mercado, como o Klein no Rio grande do Sul, o Catedral em Minas e a Flora Medicinal, no Rio de janeiro foram obrigados a retirar seus produtos do mercado, e a maioria fechou as portas. Como resultado o mercado interno de plantas brasileiras que já era pequeno e pouco profissional, ficou ainda mais incipiente.

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Para complicar mais ainda o problema, o governo aprovou a lei de acesso à biodiversidade que exige uma aprovação de um órgão – o Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (Cegen) – para coleta de plantas para pesquisa ou sua utilização na fabricação de produtos em geral. O Cegen é outra instituição que possui um corpo com excesso de ideologia ultrapassada e pouco pragmatismo, influenciada pelo aparelhamento do estado. Suas exigências e seus trâmites burocráticos estão fazendo pesquisadores brasileiros e mesmo os laboratórios aqui presentes a buscar plantas exóticas para trabalhar e assim evitar a penosa aprovação de projetos e acesso a patrimônio biológico. Todo esse pretenso zelo do estado é acompanhado por uma fiscalização quase inexistente da biopirataria, e nossos recursos genéticos continuam sendo levados para fora do país e lá patenteados.

Recentemente o professor Elisaldo Carlini, um dos pesquisadores mais respeitados da área médica no Brasil, fez um movimento para juntar todas as sociedades e entidades ligadas à pesquisa de plantas medicinais sob uma federação, a FEBRAPLAME – Federação Brasileira das Associações de Estudos e Pesquisa de Plantas Medicinais. Seu principal objetivo é lutar contra os entraves burocráticos e distorção da legslação que impedem a pesquisa e a utilização de medicamentos à base de plantas da nossa biodiversidade.

Em junho a FEBRAPLAME fez o seu primeiro congresso na cidade de São Paulo, onde foi criado um documento que solicita mais flexibilidade no Cegen, mais diálogo entre o governo e a academia e mais verbas para pesquisa do nosso patrimônio biológico. Esse documento foi encaminhado a ministra Dilma Russef e ao presidente Lula. Resta a esperança que agora haverá alguma sensibilidade do governo para essas questões e que afinal começaremos com uma estratégia verdadeira para o uso racional da nossa biodiversidade.

*Bioma: Grande comunidade, ou conjunto de comunidades distribuída numa grande área geográfica caracterizada por um tipo de vegetação dominante

Atenção! Esse texto e esta coluna não substituem uma consulta ou acompanhamento de um médico e não se caracterizam como sendo um atendimento