Dar forma não é se colocar na fôrma

por Angelina Garcia

Tomavam-lhe como alguém muito especial, daquele tipo que consegue realizar várias tarefas ao mesmo tempo, relacionar-se com pessoas de diferentes temperamentos, ainda que entre si elas não o conseguissem e, ainda, atender a todos em suas necessidades.

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Comprometia-se, empenhava-se, até destacar-se, por um instante que fosse, naquilo que se propunha fazer, mas sempre envolvida com diversas atividades ao mesmo tempo. Coisas de menina. Coisas de adolescente. Coisas da juventude. Quando deu por si, já bem adulta, Verônica sentiu falta de algo palpável que houvesse construído. Tanto fizera e nada fizera, pensava. Alguma coisa que lhe enchesse a boca ao mencionar, que lhe desse orgulho. Não o orgulho besta da soberba, mas do prazer consigo mesma.

Percebeu, então, que havia se contentado com momentos fugazes de reconhecimento, por si e pelos outros, ao mostrar-se capaz de realizar qualquer coisa que empreendesse. Isso feito, saía em busca de novos desafios, pulando de galho em galho até fatigar-se. Felizmente, porque só assim pôde reconhecer sua dificuldade em manter relacionamentos afetivos, levar adiante algum dos muitos cursos que iniciara, ou envolver-se de fato com uma profissão. Tentou desculpar-se, dizendo que sua busca seria por uma maneira própria de conduzir sua vida, não queria se colocar na fôrma e transformar-se em mais uma. Conseguiu. Nem uma, nenhuma.

Dar forma é tornar algo visível, uma ideia, um desejo, um projeto, um relacionamento. Ao tornar-se visível, o objeto nos obriga a olhá-lo tal qual é, passa a exigir que nos responsabilizemos por ele, remetendo-nos a escolhas, continuidade e conseqüente esforço. Pode parecer mais fácil não se fixar, não criar raízes. Entretanto, essa falsa ideia de liberdade uma hora desemboca no vazio. Perceber os contornos não significa ficar preso, mas se dar conta dos limites e possibilidades, para a tomada de atitudes mais assertivas na hora de se promover mudanças.

Enquanto estamos aqui, pensando nos possíveis lugares que nos esperam; se realizamos uma atividade acreditando que uma outra nos daria mais prazer, evitamos o confronto com o real da coisa, vivendo, assim, no engodo.

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Há grande diferença entre a inquietude da busca que nos incita a curiosidade, permitindo descobrir ou gerar novas formas de se viver, daquela que impede o aprofundamento de algo conquistado. Na primeira, incorporamos de maneira mais consciente o aprendizado, de modo a aproveitá-lo melhor na passagem de uma circunstância à outra; enquanto na segunda, negamos esse aprendizado ao considerarmos que fechando uma etapa estamos abrindo outra absolutamente independente da anterior.

A escolha é nossa, sem nos esquecermos que ela fará diferença na qualidade de nossas ações no mundo e no tipo de retorno que obteremos.