Deveríamos ter o direito de escolher a que instituição destinar nossos impostos

por Dulce Magalhães

As ideias liberais de um mercado completamente aberto, sem restrições, protecionismos ou sobretaxação, se mostrou uma falácia mundial.

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Todos os países que compõem o G7, o grupo dos mais ricos do mundo, têm seus mecanismos protecionistas acionados. Muitas vezes utilizam até como argumento de pressão contra países emergentes, num jogo de chantagem comercial, que aliás não tem nada de novo, tendo sido inventado com o próprio comércio.

Por outro lado, um mercado excessivamente protegido, hermeticamente fechado às novas ideias e ao livre exercício da concorrência é ainda mais nocivo, considerando as experiências de falência do desenvolvimento tecnológico vivida por nossa verde e amarela indústria de informática, apenas para citar um exemplo.

Nem tanto ao mar, nem tanto à terra. O abençoado caminho do meio apregoado por Confúcio parece ser mesmo o melhor caminho a ser seguido. Equilíbrio sempre foi um desafio e uma utopia desejada. Há lições a se aprender com toda a experiência vivida. Onde perdemos o fio da meada e nos embrenhamos num desacerto sem fim? Sempre que perdemos a noção do limite, a disciplina da ação, o foco nos objetivos.

Quando esquecemos por que estamos fazendo, seja lá o que estivermos fazendo, então nos distanciamos de nossa missão, dos propósitos que deveriam nos conduzir atividade afora. Assim também ocorre com os governos. O governo fica tão distante de sua função essencial, que é servir ao cidadão, que chega ao extremo de não servir ao propósito de cidadania.

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É uma grande máquina, como uma moenda, que vai retirando gota a gota o bom senso e a atenção solidária dos servidores públicos. Numa repartição pública qualquer você vai encontrar mais pessoas apáticas e burocraticamente cumpridoras de seu papel do que o oposto. Isto porque o funcionário de um órgão governamental vai perdendo a noção do mérito, não tem o incentivo do elogio, não conquista nada por resultados. O jogo político que deveria estar ligado às negociações de estratégia governamental, permeia todo o sistema público e por contágio vai adoecendo sistemas e pessoas. Os melhores apadrinhados, os que estão filiados ao partido da vez, aqueles de santo forte, sobrevivem com mais conforto. Mas todos apenas sobrevivem.

É o grande monopólio da gestão pública. O governo é o único a decidir e servir. Assim decide até como não servir. Cobra os impostos, fiscaliza, pune e prende quem não lhe dê sua parte. Tem poder de polícia para cobrar do cidadão sua responsabilidade na construção do coletivo. Entretanto, isso não significa uma reciprocidade à a altura do poder que lhe é dado por mandato popular. Buracos nas ruas completam aniversário, crianças ficam fora da escola, doentes padecem em longas filas de pronto socorros, aposentados que não podem jamais se aposentar, a segurança pública que gera insegurança na população. Há uma longa lista de reclamações que podemos fazer. Talvez muitos dos leitores não padeçam com tantos males por pagar em dobro: seus impostos e a escola particular, o plano médico, a previdência privada, o serviço de segurança.

Qualquer dona de casa sabe que deve gastar apenas dentro de seu orçamento, contudo, o governo não consegue aprender essa simples lição e alguém precisa financiar a diferença. Precisamos retornar ao sistema coletivo, esse modelo que estamos vivendo está falido em seus aspectos financeiros, morais e sociais. A sociedade civil como conhecemos está com os dias contados, vivendo os últimos estertores de doente terminal.

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Felizmente, diferente da visão do holocausto nuclear tão presente na década de setenta, estamos nos encaminhando para uma nova ação social: a Sociedade Cívica, onde não importa onde você mora, quem você é, onde trabalha, mas sim o quão cidadão você se torna. Numa sociedade cívica não se delega a ninguém o dever de exercer seu papel social, todos fazem sua parte.

Parece anarquista a ideia, mas talvez seja revolucionária. Já imaginaram um concorrente para o governo? Poder se escolher a quem vamos pagar nossos impostos como escolhemos que marca de margarina vamos comprar? Um livre sistema de concorrência sempre foi a força impulsionadora da excelência nos serviços. O governo não deveria passar incólume por um processo tão importante de depuração.

Poderíamos escolher para que órgãos públicos estaríamos destinando nosso imposto, que atividades mereceriam receber mais. Seria uma corrida pela competência, afinal o cliente/cidadão reinaria. Cada setor teria que ser competente o suficiente para sobreviver e para crescer teria que usar seus talentos humanos, investir na melhoria dos serviços, encantar seus clientes/cidadãos. Todos ganhariam com tal sistema, principalmente a sociedade.

Muitos se preocupam com os excluídos, os menos favorecidos. Porém, todos somos de certa forma excluídos, pois a participação está no poder da escolha (que não pode ser limitada ao voto).

Precisamos escolher que sociedade vamos viver, que mundo queremos povoar, precisamos eleger a cidadania como modus operandi. Isso vai exigir muito mais de cada um de nós. Entretanto, é bem mais interessante quando podemos escolher que futuro queremos para nós. Chegou a hora de assumirmos o poder, não para usurpá-lo, mas para compartilhar de forma mais justa e mais humana. Finalmente temos um concorrente para o governo: o cidadão.