Resiliência na velhice: capacidade de recuperação diante da vulnerabilidade

por Elisandra Vilella G. Sé

“um naufrágo, num mar proceloso, se aferrará à sua tábua de salvação na proporção direta do tamanho das ondas que o ameaçam” (Pelegrino 1989)

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Vendo as notícias sobre a catástrofe em Santa Catarina, imaginamos o quanto as pessoas ficam vulneráveis com o desamparo causado pelo evento estressante. Ao longo da vida, cada vez que o ser humano se depara com uma situação de perigo, lhe sobrevém o desamparo, demandando um pedido de ajuda.

Desde o nascimento sofremos o desamparo traduzido na expressão das perdas sucessivas que acompanham a existência de cada sujeito. A experiência do desamparo surge desde o nascimento com a incapacidade psicomotora do recém-nascido e a necessidade do outro para se alimentar.

Segundo Freud (1980), em seu texto Inibições, sintomas e ansiedade, ele fala que o ser humano chega ao mundo com a necessidade radical de ser cuidado.

A condição biológica do ser humano é uma das condições de vulnerabilidade que primeiro se vivencia.

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Evidencia a dependência extrema do outro para a própria sobrevivência, perante não só os perigos reais da vida, como também perante à própria vida psíquica. Desta forma, esse estado de desamparo torna-se fundamental na estruturação do psiquismo. Ou seja, o ser humano só sobrevive porque o outro o deseja, cuida, ama e ajuda.

A humanidade assegura a preservação da espécie e da vida do grupo pela ação do cuidado. Nesse sentido, ainda citando Freud (1980), a civilização é resultado da reunião dos seres humanos não só no sentido de irem adiante com aquisições novas, mas, basicamente, para se defenderem dos perigos das forças da natureza. Aí se revela o desamparo da humanidade, revivido por todos os seres humanos desde o nascimento. A experiência do desamparo se faz presente na vida cotidiana, tanto nas situações de perigo que o ser humano enfrenta diante das forças da natureza e de qualquer outra ordem.

O envelhecimento ao se traduzir no contexto social como negatividade, agrava o que é sentido como perda e assim fragiliza os recursos internos do indivíduo idoso, construídos ao longo de toda a vida. No caso de vivências de eventos estressantes espaço-temporalmente situados, tais como perdas, marcos histórico vivenciados por revoluções, catástrofes, atentados, etc… o caso é mais comprometedor ainda, podendo desenhar-se um cenário de estado extremo de desamparo.

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No caso específico das pessoas que vivenciaram as perdas de seus lares, pertences, parentes e amigos são perdas que acarretam sofrimento e a exigência de um trabalho de luto. Esse sentimento das perdas pode chegar a transformar-se em fantasias jamais decifráveis, elevando a tensão das pessoas, principalmente das pessoas mais velhas, idosoas diante dos limites ameaçadores que se impõem. Desse modo, o idoso doente pode chegar a um lugar subjetivo onde não mais consiga dominar as tensões e, então, nelas se encontrar submerso.

Resiliência

Carregamos a marca da busca, na ilusão de que somos capazes de dominar-se e dominar os perigos, construindo tentativas de proteção. Frustrando-se, porém, surpreende-se, a cada vez, em que se encontra em estado de desamparo, que nessas circunstâncias, prescreve uma ação do sujeito, no sentido de redirecionar-se para a invenção de novas formas de existir, novos destinos que lhe possibilitam viver. Para isso precisamos de resiliência psicológica, a capacidade de recuperação e manutenção de comportamentos adaptativos que podem seguidamente retirar o evento estressante.

A resiliência é uma espécie de recurso protetor que o ser humano possui para manter e recuperar o nível de adaptação normal, isto é, uma plasticidade comportamental que nos permite responder aos diferentes eventos da vida. É a nossa capacidade de resiliência que garante o equilíbrio entre ganhos e perdas ao longo da vida.

Resiliência é o papel positivo de diferenças individuais das pessoas a responder ao estresse e adversidades. O conceito de resiliência psicológica reside em dois tipos de fenômenos:

1º) A manutenção normal do desenvolvimento apesar dos riscos e prejuízos

2º) A recuperação do funcionamento normal depois de uma experiência traumática. Um modo de expressar a resiliência é a capacidade que o indivíduo possui de utilizar estratégias de “coping”, isto é, estratégias de enfrentamento. Diferentes estratégias estão relacionadas às diferenças de idade.

Pessoas idosas e com vasta experiência de vida tentam distanciar de si mesmo e avaliar novamente a situação positivamente, além de procurar por suporte social. A capacidade de resiliência tem a função de ajudar o ser humano a reformar seus comportamentos, a renovar as atitudes diante das adversidades, a compreender os recursos disponíveis, a buscar suporte, buscando vencer cada desafio e aprender com cada lição. Refere-se às respostas que damos aos embates da vida, à adversidade, a algum trauma, na presença de ameaças ou riscos. Digamos que é o que chamamos de nossa força interna, nossa capacidade de resistir aos entraves do curso de vida. É ela que dá força para o indivíduo manter e preservar a estrutura básica de sua vida e dar continuidade.

O sentido de continuidade mesmo diante da vulnerabilidade, é importante para prever um sentido de competência, domínio, integridade, de sensação que a vida é significativa, de sensação de auto-estima. Sentidos que proporcionam suporte social, a compensação dos declínios e o enfrentamento das dificuldades de mudança. A resiliência psicológica diante das adversidades, das situações de desamparo e eventos estressantes é muito importante para que o indivíduo invista emocionalmente em si mesmo, nas suas recuperações, adaptações e reconstruções.