Quando a força de vontade tem poder de realização

Por Roberto Goldkorn

Sem precisar ir até o correio, nem passar antes na papelaria, os cartões de boas festas inundaram as caixas de entrada de milhões de internautas, e comigo não poderia ser diferente. Apesar de pasteurizados e sem nenhuma criatividade, os cartões virtuais entraram na rede espalhando "desejos de todos os tipos e tamanhos".

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Isso me levou de volta a um enigma que todo fim de ano me assalta: com tanta gente desejando tudo de bom, por que o nosso ano novinho em folha, não acontece no bom e no melhor dos mundos? Na TV os artistas nos desejam tudo de bom, os políticos nos desejam tudo de bom, nossos parentes e vizinhos nos desejam tudo de bom, e desejamos para os outros (e secretamente para nós mesmos) tudo de bom, e de melhor no mundo. Com toda essa corrente pra frente, não seria de se esperar, que os votos feitos com tanta euforia, em meio a champagnes e cidras, se concretizassem pelo menos em parte?

Os autores e gurus do pensamento positivos, não nos ensinaram direitinho que "querer é poder?" Não lemos em algum livro, ou ouvimos em algum curso de auto-ajuda milagrosa, que o que desejamos é o que obtemos? Então por que a guerra, os atentados terroristas, os crimes hediondos, matricídios, patricídios, covardias etc, se todos se vestem de branco da paz, mandando uma mensagem aos céus, clara e inequívoca, do que queremos no ano novo?

Por que os desejos não se realizam com a entrada do novo ano?

Acredito que deve haver muitas respostas, dependendo dos "especialistas" consultados. A minha explicação está na semântica das palavras Desejos e Vontade. No universo da magia, Desejos são manifestações do nosso corpo astral, ou seja, o nosso corpo das emoções, ligados aos nossos sentidos. Assim temos desejo de comer doce, de tomar vinho, de beijar aquela garota, de tirar o sapato apertado, de visitar aquele paraíso tropical, de ser rico, de emagrecer etc.

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Desejos são consignados ao elemento AR, são fugazes, volúveis, intensos, mas sem fixação. Desejos são reações mais ou menos passionais aos estímulos externos e internos captados pelos receptores dos nossos sentidos. Em geral os desejos são processados numa área do cérebro chamado por alguns cientistas de paleo-cérebro, ou cérebro primitivo, estrutura que já pertencia ao homem muito antes dele ser homo sapiens.

A principal característica do desejo é a sua carga emocional e a premência de sua satisfação. Assim erramos quando dizemos "estamos com vontade de fazer xixi". Na verdade estamos com desejo. Estamos com uma vontade arretada de comer acarajé?"Claro que não, estamos é com desejo".

Já a vontade, é produto de estruturas novas do cérebro e da mente, e se caracteriza por uma elaboração "consciente". Ato de vontade é a expressão para significar uma atitude deliberada, planejada, burilada, sacudida e espremida, pelo raciocínio, seja ele de um Einstein ou de um pipoqueiro de rua. Uma imagem que uso freqüentemente, é a de que o desejo é um tacape de gelo, e a vontade é uma serra "tico-tico" de aço temperado de um milímetro.

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Os desejos têm a consistência dos ataques de ira daquele personagem de TV que diz ter tolerância zero para pergunta idiota, quando a mulher dele depois de lhe fazer um carinho, pergunta: "Agora tá mais calminho? Ele responde: "agora tô."

Desejos são arroubos, impulsos, derramamento, transbordamento, são borboletas da nossa mente emocional, destinadas por natureza a terem vida breve. Vontade, por outro lado, é produto da alquimia, leva tempo, dá trabalho, requer investimento, estoicismo, renúncia, determinação, manutenção, e um certo grau de loucura. Há muitos anos quando tive a pretensão de treinar pessoas nas artes mágicas, exigi de um aluno, que fizesse um exercício de colocar uma pedra no jardim do prédio onde morava, e todos os dias às três horas da madrugada levantar-se e ir no jardim pegar a pedra, fazer uma oração e voltar a dormir.

Detalhe, isso se deu em julho na cidade de São Paulo, num dos seus invernos mais rigorosos. De outro estudante pedia que chegasse a minha casa as sete da manhã do sábado (ele morava em outra cidade, e chegava em casa da faculdade na sexta feira por volta de meia noite), para lutarmos boxe!! Esse segundo "aluno" veio a se tornar o meu melhor amigo, e hoje preside uma multinacional, mas enfrenta uma luta titânica contra a doença de sua esposa, mãe dos seus pequenos e adoráveis filhos.

É para ele esse texto, para que se lembre da diferença entre vontade e desejo, das lutas de boxe, metáforas concretas das lutas que estariam por vir, e vieram. E para vocês, para se lembrarem de que desejos não constroem edifícios estáveis, mas a vontade sim, e ela é filha da dedicação, do sacrifício e do foco. Se estiverem com desejo de fazer xixi, segurem um pouco, determinem a que horas irão satisfazer essa necessidade, respirem fundo e "comam" a energia do desejo para transmutá-la em vontade nos centros superiores do cérebro.

Se tiverem desejo de descalçar um sapato apertado, só o façam, mais tarde, controlando e assimilando a força desse desejo. Se tiverem desejo de fumar um cigarro, peguem o cigarro olhem bem pára ele, cheirem-no, e depois diga: "só vou fumar esse cigarro daqui a duas horas" até que chegue a hora de estar forte e diga: Não vou mais fumar cigarros, a minha vontade é soberana e maior que os desejos do meu corpo.

"Façam jejum de um dia. A energia poderosa do desejo se esvai no momento que o satisfazemos, some no ralo da satisfação. Mas se os fazemos viajar da região sexual onde se formam, até o alto do córtex cerebral, onde são transmutados em Vontade, ganhamos muito, ganhamos talvez a energia necessária para decidir num determinado momento entre a doença e a saúde, entre a derrota e a vitória, entre o sucesso e o fracasso, entre a vida e a morte. Esses pequenos exercícios podem transformar, personalidades fracas, derrotadas em magos donos de suas forças-desejo, e, portanto livres.

Por isso, não lhes desejo tudo de bom em 2016, mas a minha vontade, é de que se fortaleçam e ao mesmo tempo se tornem mais generosos.