Temos pouca liberdade real

por Roberto Goldkorn

Recentemente, o mundo assistiu mais uma demonstração do que o terror motivado religiosamente pode causar. O palco, Paris, uma das cidades mais civilizadas do mundo, berço do Iluminismo e das humanidades.

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Por uma questão cultural (quase) todos nós ocidentais trememos e nos revoltamos com o massacre dos cartunistas franceses e com o de algumas pessoas comuns, que tinham como pecado maior serem judias.

Nesse momento volta a pauta a discussão sobre a liberdade, liberdade de expressão, liberdade de pensar diferente e continuar vivo.

Há os que berram a favor da liberdade total, e aqueles que gritam pelas restrições à liberdade dizendo que tudo tem limites.

Mas seria possível algum dia alcançarmos a liberdade absoluta? A resposta é claramente: Não!

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Como diz o psicanalista e filósofo alemão Erich Fromm (1900-1980) em seu excelente trabalho O Medo a Liberdade, um dos meus raros livros de cabeceira, temos de distinguir Liberdade de liberdade para.

Quando uma criança pequena manifesta seu desagrado diante de uma visita que seus pais estão recebendo e não a cumprimenta ou pior mostra a língua para ela, será punida ou "reconduzida" ao universo dos "bons modos" de uma forma ou de outra. Esse é o começo de um longo processo onde vamos podando as "liberdades" naturais da criança para torná-la um adulto adequado à sociedade que vivemos. Quando começam a ensinar a crianças que mal sabem ler algum livro sagrado, fazendo-as decorar trechos e depois recitá-los para o deleite de uma audiência já convertida, estamos cortando as asinhas da tal liberdade. Enfim, todo o processo de educação é uma formatação de nossas liberdades já modeladas no berço e nos preparando para outras modelagens que receberemos quando pudermos "decidir".

As relações de produção limitam a nossa liberdade, a propaganda eficaz e certeira nos dirige e controla retirando a nossa liberdade ou deslocando-a, trocando-a para liberdade para…consumir.

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Nossa Liberdade é atacada de tantos meios que seria tedioso repeti-los aqui, mas o que nos surpreenderia mais, é que não teríamos levado essas restrições em conta ao considerar a "nossa liberdade".

Quando meio mundo estampava camisetas de cartazes dizendo Je suis Charlie, e isso era meritório, pois demonstrava solidariedades com as vítimas da intolerância, um sujeito foi preso porque usou uma camiseta que repetia a mesma frase só que com o nome de um dos assassinos. A liberdade dele estava cerceada pela Lei que prontamente foi usada.

Apesar de termos pouca liberdade real, existencial, observando-se a evolução da humanidade podemos ver que o processo está rolando na direção das conquistas de Liberdades individuais.

Mas por outro lado, vemos que a medida em que se conquistam as liberdades individuais, em que o indivíduo passa a importar mais que o grupo, outras vertentes estão se consolidando, justamente no sentido contrário: a da sujeição da vontade individual ao coletivo.

Quando os pensadores estavam certos de que o homem havia se libertado da obediência cega a ao Rei ou à religião dominante da qual era apenas uma mísera engrenagem, a Mente Coletiva volta a se fortalecer e a engolir as individualidades que a ela se sujeitam festivamente.

Como bem diz Erich Fromm: "A liberdade chegou a um ponto crítico, em que impulsionada pela lógica de seu próprio dinamismo, ameaça transformar-se em seu antônimo."

O individualismo reivindicando para si o terreno livre para a sua dança-solo, acabou gerando o seu oposto: o monstro da mente coletiva que abomina esses espetáculos pagãos onde tudo é permitido, onde não há o temor, o limite, onde o homem parece querer ocupar o lugar de deus.

Nas mídias sociais, junto as milhares de mensagens de repúdio aos assassinos (e seus mentores) dos cartunistas, alguns diziam: "Bem feito quem mandou cutucar a onça com vara curta".

Pouco a pouco, usando a velha e eficaz linguagem das metralhadoras e bombas, os inimigos da individualidade, vão se tornando a onça temida numa estratégia simples, velha conhecida, de impor suas leis pelo medo.

A observação da História nos diz que essas vitórias fascistas não são duradouras, porque a tal liberdade, que vem bailando nos sonhos da humanidade também sabe mostrar suas garras.

Como exemplificou um ex-presidente militar: "Se alguém se opuser à abertura democrática eu PRENDO e ARREBENTO!"

As cenas dos próximos capítulos serão certamente cheias dos ratatás das metralhadoras e das correntes nos pés. Tudo pela conquista das Liberdades.

Mas não nos devemos iludir, esse confronto que é de ideias armadas, não tem prazo para terminar. Os grandes pensadores acreditam que ele terminará o dia em que o indivíduo terá elevado a um grau máximo a sua individualidade a tal ponto em que se sentirá conectado ao todo, ao grande coletivo e assim como parte desse corpo não atentará contra si próprio, mas sim concorrerá para o seu progresso e bem-estar.