Arteterapia: como a medicina aplica a arte para fins terapêuticos

por Alex Botsaris

Arte é uma das manifestações mais essenciais do ser humano. Desde as civilizações mais primitivas, os nossos antepassados se manifestam através da arte, como demonstram os achados arqueológicos de pinturas rupestres, cerâmicas e outros objetos encontrados em sítios arqueológicos em todo o mundo.

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A arte envolve vários aspectos que tem significado e importância para os humanos, não importa em que época viveram ou qual o grau de desenvolvimento das sociedades onde se encontravam. Vale citar alguns desses aspectos no sentido de mostrar sua dimensão: a retratação de si, da natureza, do imaginário e do mundo de relação; a expressão religiosa; o desenvolvimento da estética, da relação espacial e das formas; a exteriorização de imagens e símbolos do inconsciente; o desenvolvimento da identidade pessoal e dos grupos; e o desenvolvimento do prazer através da expressão do indivíduo.

Todos esses aspectos foram tornando as manifestações da arte cada vez mais consistentes e sofisticadas na sociedade, à medida que o gênero humano evoluiu. Com isso, ao longo de tempo, mais e mais modalidades de arte foram sendo desenvolvidas, à medida que o homem avançava em termos culturais e tecnológicos, até os dias de hoje. A arte, além de ser uma manifestação essencial da cultura, é um fator de elevação da autoestima da sociedade. Hoje é uma profissão, uma das áreas do conhecimento, um instrumento de lazer e uma forma de comunicação. Não é de se admirar que ela tenha também chegado ao universo das práticas terapêuticas.

Como surgiu a arteterapia

A medicina, hoje em dia, sabe que a arte, em qualquer uma de suas expressões, é uma atividade altamente benéfica ao ser humano, desde que surgiu na face da Terra, há milhares de anos. Mas o conceito de arteterapia é atribuído ao médico alemão Johann Christian Reil, que atuava na área de psiquiatria no século XIX. Foi ele que descreveu, de forma sistemática, os benefícios na arte no tratamento de pacientes e desenvolveu um protocolo de emprego de atividades artísticas no tratamento de doenças mentais. Contemporâneo de Pinel ele foi considerado um dos reformistas da psiquiatria alemã.

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O grande psicólogo suiço, Carl Gustav Jung, foi um dos grandes entusiastas da arteterapia. Foi ele que demonstrou a riqueza simbólica do inconsciente expressada em pinturas e desenhos, e como a atividade artística contribuía no tratamento de pacientes psicóticos, no trabalho de reorganização do ego após os surtos de doença. Ainda na Alemanha o filósofo Rudolf Steiner incorporou a arteterapia ao arsenal terapêutico da medicina antroposófica, por ele criada na virada do século XX.

No Brasil o psiquiatra Ulysses Pernambucano foi o pioneiro no uso da arteterapia entre pacientes psiquiátricos, já na década de 20. Outros médicos inspirados em seu trabalho publicaram artigos e aplicaram a técnica em alguma instituiçõesa o longo do século XX. Mas vale relembrar o trabalho da psicóloga Nise da Silveira, que tratou centenas de psicóticos com arteterapia, gerando o acervo mundialmente conhecido do Museu do Incosnciente.

Nos últimos anos cerca de 300 trabalhos científicos em arteterapia foram publicados na literatura médica internacional, a maioria deles nos Estados Unidos. O principal emprego dessa modalidade terapêutica tem sido em vários distúrbios psiquiátricos, como esquizofrenia, depressão, estresse pós-traumático, autismo, transtornos alimentares, distúrbios de ansiedade e transtorno obsessivo-compulsivo. Em todas essas enfermidades a arteterapia ajuda a elaboração de traumas, reduz a ansiedade a auxilia na simbolização de conflitos que estão afetando os pacientes.

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Ainda na área da psicologia e psiquiatria, um grande emprego da arteterapia é no tratamento psicológico de crianças e pré-adolescentes, já que eles se expressam na arte com extrema facilidade, além de conseguirem dar grandes passos na elaboração de seus conflitos. Existe ainda recomendação de se usar esse tratamento como suporte emocional em crianças hospitalizadas por qualquer tipo de razão, para aliviar o estresse que a internação causa. Entretanto a pesquisa tem identificado outras áreas de emprego da arteterapia além da psiquiatria. Uma das áreas onde mais se publicou foi no suporte aos portadores de câncer. Em geral, o câncer é uma doença que ameaça e deprime os pacientes e a arteterapia tem ajudado a melhorar o humor, resgatar a autoestima, todos fatores críticos para melhorar a imunidade desses pacientes.

As pesquisas científicas ainda mostram bons resultados na recuperação de algumas lesões neurológicas, em especial as sequelas de traumatismo craniano, acidente vascular cerebral e paralisia cerebral. Em geriatria, também há uma recomendação do seu uso como instrumento de melhora de qualidade de vida, melhora do humor e estímulo das funções cognitivas cerebrais. Pelo mesmo motivo ela tem sido usada na terapia de suporte de pacientes com doenças de Alzheimer e outros tipos de processos demenciais. Por fim há algum relato que a arteterapia demonstrou algum benefício no tratamento de pacientes com infertilidade que estão fazendo fertilização in vitro.

Nos Estados Unidos existe a Associação Americana de Arteterapia (American Association of Art Therapy) que licencia profissionais para aplicar esse tipo de tratamento e organiza congressos e a produção científica local. Considera-se que um profissional para aplicar essa técnica precise ter uma formação ao mesmo tempo em arte e psicologia. No Brasil existe a União Brasileira das Associações de Arteterapia, contudo ela não tem poder de licenciamento dos profissionais, nem essa profissão está regulamentada pela lei. Portanto, em nosso país, devemos procurar profissionais da saúde, em especial psicólogos, ou profissionais com curso superior em arte ou carreiras afins, que tenham uma especialização em arteterapia.

Mesmo que você não necessite de fazer um tratamento com arteterapia, é bom sempre realizar alguma atividade que permita a sua expressão artística. Pintura, desenho, cerâmica, escultura, trabalho em madeira, tecelagem, colagem. Enfim, qualquer forma de se expressar liberando seus dons artísticos e seu simbolismo interior, faz muito bem à saúde.

Como é aplicada a arteterapia

1) Identificação da forma de arte onde o paciente se expressa com mais expontaneidade e prazer – estímulo ao uso desse canal de expressão – inclusive dando suporte (ensinando) para melhorar a técnica do paciente para que ele se espresse cada vez melhor nesse canal.

2) Interpretação da produção artística do paciente, contextualizando de acordo com seu problema e seu histórico – apoio psicoterápico ao paciente usando o conteúdo simbólico por ele produzido como instrumento de tratamento.

3) Apresentação ao paciente – da obra de algum artista que o terapeuta entenda que vá estimular sua criatividade, ou estimular simbolicamente os conteúdos que ele produz.

4) Sugestâo de temas e ideias para serem desenvolvidas artísticamente – que sejam importantes na elaboração do material apresentado pelo paciente

5) Utilização de técnicas da arteterapia para estimular o cérebro e ajudar o psiquismo – como a repetição, contextualização, inspiração em outros artistas, etc, que foram identificados como efetivos para essa terapia.

A arteterapia só usa os recursos da arte plástica. Os da música sâo do universo da musicoterapia.