Cochilo na psicoterapia

por Luís César Ebraico

É evidentemente inadequado que um analista durma durante a sessão com seu paciente. Mas, certa feita, acordei com um paciente em pé à minha frente, bradando:

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AMÍLCAR: — Pô, César, você DORMIU durante a minha sessão!

LC (ainda sonolento): — Hein?

AMÍLCAR: — E RONCOU! Vou embora!

Levantei-me semicambalente e acompanhei-o até a porta, onde, a despeito de minha patente falha, nos despedimos com um educado aperto de mão. Lembro-me de haver achado engraçada a situação e, embora passado, não haver ficado preocupado com ela.

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Amílcar chegou pontualmente à sessão seguinte. Deitou-se no divã e ficou em silêncio. De minha poltrona, eu me surpreendia ao perceber que ele tinha um sorriso maroto em seus lábios. A situação manteve-se assim durante uns dez a quinze minutos, quando o paciente saiu de seu mutismo, inquirindo-me:

PACIENTE: — Sabe de uma coisa?

LC: — Diga.

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PACIENTE: — Hoje vim para cá pensando em dar a maior bronca em você. Pensei em dizer: “Seu f.d.p., que p. é essa de dormir na minha sessão. Eu estou pagando esta m. e quero atenção e não blá, blá, blá, blá, blá, blá…” Mas aí, pensei: aquele f.d.m vai ficar me ouvindo, se vir que eu estou conseguindo falar fluentemente tudo isso, vai comentar “Você está conseguindo falar sem dificuldade coisas que nem todo mundo consegue”, ou, se notar que gaguejo ou algo assim, vai dizer “Parece que está difícil você dizer esse tipo de coisa para mim. Tem idéia de por quê?” Aí pensei: “Sabe de uma coisa? Não tenho o menor saco para isso. Vou mesmo é falar o que eu estava querendo falar na última sessão e vamos ver se, desta vez, aquele idiota não dorme”. O que eu estava querendo que você ouvisse, na última sessão, era que blá, blá, blá, blá, blá, blá…

Para analisarmos adequadamente o que ocorreu entre mim e Amílcar, vou introduzir duas expressões – “ambiente (ou dimensão) de ocorrência” e “ambiente (ou dimensão) de processamento” – que não fazem parte do vocabulário cotidiano, mas que podem ser facilmente esclarecidas.

No episódio acima, “ambiente (ou dimensão) de ocorrência” diz respeito a eu haver dormido e “ambiente (ou dimensão) de processamento” diz respeito a minha relação com Amílcar ser tão claramente capaz de permitir o arejamento verbal do ocorrido, que ele preferiu considerar como se a bronca tivesse sido dada e ouvida e dedicar-se a falar sobre o que, desde a sessão “fatídica”, ele estava querendo falar. Empregando as expressões que acabo de introduzir, podemos dizer que, no episódio em pauta, temos um “ambiente de ocorrência RUIM” – não é adequado que um analista durma durante as sessões com seus pacientes! – e um ambiente de processamento BOM” – é adequado que o paciente sinta que o impacto que os fatos do “ambiente de ocorrência” têm sobre ele serão bem acolhidos na dimensão verbal da relação.

Ocorre que é muito mais produtivo garantir um bom “ambiente de processamento”, que permite a dissolução das tensões geradas no “ambiente de ocorrência”, do que pretender que este último seja perfeito, o que é simplesmente impossivel.

Esse é um corolário da teoria psicanalítica que a Pedagogia pouco absorveu.