Por que esportes de alto risco atraem tanto os atletas?

por Renato Miranda

Ano passado um grupo de escaladores italianos de alta montanha (notadamente acima de 4 mil m) foram surpreendidos por uma avalanche nas proximidades do cume do Monte Aconcágua (Sentinela de Pedra), 112km de Mendoza na Argentina, uma das montanhas mais cobiçadas por escaladores aventureiros de todo mundo, que fica a 6.962m de altitude (montanha mais alta das Américas).

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Muitos atletas se arriscam para terem o prazer de alcançar o ponto mais alto dessa incrível montanha que fascina os amantes dos esportes de montanha.

Como todo acidente em montanha de grande altitude, esse também foi recortado de drama e muita tristeza, tal como aconteceu com o grupo de escaladores brasileiros, liderados por Mozart Catão, que faleceram no mesmo pico em 1998.

No entanto, o que chamou a atenção de muitas pessoas, foi o fato de parte do resgate ter sido filmado. Na matéria exibida pela televisão um grupo de salvamento tentava resgatar um dos italianos acidentados. Eles estavam por volta de 400m do cume e o escalador italiano tinha muita dificuldade de ficar em pé, em função principalmente do cansaço excessivo e possivelmente por algum dano pulmonar ou cerebral (frequentemente edemas causados pelo ar rarefeito e a alta pressão nas artérias, fazem esses órgãos se encherem de líquidos).

As pessoas do grupo de resgate tentavam levantá-lo, arrastá-lo montanha abaixo, mas tudo era inútil.

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Depois de algum tempo, os membros do grupo de resgate também já apresentavam sinais de esgotamento. Foi então que aconteceu algo que aterrorizou muitas pessoas. Possivelmente o líder do grupamento, acionou pelo rádio o Comando da Base de Resgate e pediu permissão para abandonar o atleta italiano na montanha gelada, alegando que todos estavam muito cansados, portanto, além de não conseguirem ter sucesso na operação a equipe de resgate correria sérios riscos.

Depois de alguns segundos em silêncio, ouve-se a voz vindo da Base autorizando a equipe a abandonar o escalador moribundo. Nesse caso, a pessoa morre, é coberta pela neve e raramente encontra-se o corpo.

Embora seja uma cena chocante, aquele que pratica escalada em alta montanha ou conhece o esporte, sabe que essa possibilidade existe e é aceitável, já que se não for desse modo, outras vidas se perderão.

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Muitas pessoas me perguntaram, depois de assistir à matéria descrita acima:

– Como é possível alguém gostar de um esporte como esse, em que não se sabe ao certo o que irá acontecer ou mesmo se vai sair vivo da empreitada?

– Vale a pena arriscar a vida por um esporte?

– Há algo de destrutivo ou suicida na mente desses atletas de esportes considerados de risco?

Quando de uma prática esportiva em que há alegria espontânea, controle das ações, motivação intrínseca (inconsciente), oportunidade de expressão de habilidades e a pessoa flui no processo de realização (veja texto sobre o fenômeno do flow-feeling – clique aqui), ela mesma não poupa esforços para praticar tal esporte.

Por outro lado, quando um esportista tem controle absoluto sobre suas ações e confia plenamente em suas habilidades, o medo e o fracasso tendem a serem dissipados e sentimentos de autoconfiança, calma e poder surgem naturalmente. Em outras palavras, um sentimento de poder fazer tudo com harmonia, precisão e com uma ótima percepção de controle emocional. E mais, quanto maior a tensão maior é a vontade de se testar essas habilidades.

Portanto, não há, como alguns sugerem, nenhuma associação patológica, uma tentativa de exorcizar o medo intrínseco ou um vício em sensações relacionadas ao medo (como a frase: “é adrenalina pura!”). O que há é um sentimento perfeitamente saudável, como diz CSIKSZENTMIHALYI, em controlar forças de potencial destrutivo, pois a satisfação dos mesmos não se origina do perigo em si, mas da habilidade para minimizá-lo.

E por mais que acontecimentos dramáticos aconteçam, sempre terá alguém subindo uma montanha em algum lugar.

Para encerrar, vejam o que o escalador inglês George Malory, na década de 20 do século passado, disse a um jornalista, em uma coletiva, depois de fracassar pela segunda vez a escalada do Monte Everest.

– Por que tentar escalar a maior montanha do mundo e colocar sua vida em risco?

– Porque ela (a montanha) está lá