Quem penso que sou?

por Aurea Afonso Caetano

Quem você pensa que é?

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Feita assim, de supetão, esta pergunta tem a pretensão de intimidar. Acompanhada de um tom agressivo e arrogante, nos leva invariavelmente a um lugar menor, de desvalia. Mas será essa a única possibilidade?

Que tal aproveitar a provocação e fazer, a partir dela, uma reflexão: quem penso que sou?

Com certeza não sou apenas aquilo que o outro vê, ou que vocifera, mas talvez não seja também apenas aquilo que acho que sou. Para mais ou para menos, para além ou para aquém, quem penso que sou?

Sexo, cor, nome, local de nascimento, situação familiar, posição social, escolaridade, trabalho, esses atributos conferem uma existência definida, um lugar aqui e agora, no tempo e espaço. Cada um de nós é um indivíduo singular, cruzamento incessante entre natureza e cultura; padrão genético e meio ambiente.

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Mas, existirá algo além do equilíbrio entre essas forças que nos confere singularidade?

Seremos “apenas” organismos biológicos, evolutivamente selecionados, rumo a um desenvolvimento cada vez maior?

Jose Saramago, escritor português, Nobel de Literatura, em “Ensaio sobre a Cegueira” diz: “Dentro de nós há uma coisa que não tem nome, essa coisa é o que somos”. Para falar dessa coisa que, apesar de não ter nome é o que somos, a teoria junguiana propõe o conceito de self ou de si mesmo.

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Ainda com Saramago, o que sou não tem nome ou, o que sou não pode ser nomeado, não há consciência ou ego, sujeito pensante ou nomeador, que deem conta de definir completamente esta individualidade que sou eu.

Conceito de self

Com o conceito de self Jung propunha questionar a supremacia do ego e seu papel central na vida das pessoas. Dizia sempre que sim, ego, consciência, são fundamentais, absolutamente importantes. Não há possibilidade de existência humana sem um ego, um eu consciente, que possa a ela se referir, mas… o ego é apenas parte da totalidade, parte pequena na verdade e a partir dela surgido; deve manter com o todo uma relação fluida e sempre viva; deve ser capaz de lidar com a ambivalência, fugindo das dicotomias paralisantes. Nada de ou isso ou aquilo, mas isso e talvez também aquilo.

Pensar dessa forma pode parecer difícil, mas a proposta é apenas abrir espaço para que o não conhecido, o não nomeado, o não compreendido possa ser incluído. Não se trata também de “servir a dois senhores” ou manter uma atitude descomprometida, por assim dizer, evitando tomada de decisões ou fazer escolhas. Trata-se, sim, de um exercício através do qual possamos sempre pensar o que é verdadeiro em nós, ou o que é que somos de verdade.

Para cada qualidade ou imagem conhecida acerca de mim mesma, há outra ainda desconhecida, complementar ou não! Para cada eu sei, vários não sei! E haverá outra possibilidade real de conhecimento verdadeiro de mim mesma?

Terminando com outro autor português, Fernando Pessoa, através de seu heterônimo Álvaro de Campos, no início do poema “Tabacaria”:

“Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo”.

Será?