De quem é a razão, afinal?

por Aurea Afonso Caetano

Discussões acerca de qual a verdade de determinado fato ou vivência, ou de quem tem razão provocam inúmeras confusões e brigas; trazem afastamentos, separações e mal-estares infinitos. Quantas vezes já não passamos por esse tipo de situação?

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Um bom dia dado, mas não percebido, uma gentileza feita e não registrada pelo outro; um olhar unilateral que modela uma troca afetiva inadequada … A mulher acorda, dá um bom dia apressado e levanta-se correndo para cuidar dos filhos. O marido sonolento não registra o bom dia e queixa-se ter sido deixado de lado por uma esposa fria. Este dia, como vários outros, começa com um desencontro, a partir do qual cada uma das partes vai construir o que é a “verdade verdadeira” ou a “verdade última”.

Mas… e se pudéssemos pensar que cada um deles tem a sua verdade, que cada um deles olhou o mundo da forma possível naquele momento. Cada um deles “enxergou o mundo” com os olhos que tinha/tem? E o que é que confere a meus olhos uma acurácia maior do que a dos olhos do outro? Não será essa uma posição no mínimo onipotente?

O que pensar também daquelas situações limítrofes nas quais há uma real dificuldade em se estabelecer a linha divisória entre real e imaginário?

Ao acordar, logo após um sonho muito vívido, nosso corpo mantém ainda por algum tempo as sensações experimentadas durante o sono, de tal forma que nosso humor matinal é colorido por elas. Mas… na verdade, nada aconteceu, foi apenas um sonho! O estado emocional desencadeado pelas sensações físicas sentidas a partir da vivência do sonho não é real ou verdadeiro, no sentido de que não aconteceu de fato. Mas é sim real e verdadeiro porque é sentido e vivenciado de forma clara e consistente.

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E então? Será que é tão fácil assim dizer o que é a verdade?

E existirá algo como o reino da verdade?

Carlos Drummond de Andrade em, “Alguma Poesia”,  nos brinda com o maravilhoso poema sobre a verdade:

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A porta da verdade estava aberta,
mas só deixava passar
meia pessoa de cada vez.
Assim não era possível atingir toda a verdade,
porque a meia pessoa que entrava
só trazia o perfil de meia verdade.
E sua segunda metade
voltava igualmente com meio perfil.
E os meios perfis não coincidiam.
Arrebentaram a porta. Derrubaram a porta.
Chegaram ao lugar luminoso
onde a verdade esplendia seus fogos.
Era dividida em metades
diferentes uma da outra.
Chegou-se a discutir qual a metade mais bela.
Nenhuma das duas era totalmente bela.
E carecia optar. Cada um optou conforme
seu capricho, sua ilusão, sua miopia.