Paradoxo: por que o ambiente simples do boteco da esquina pode fazer tão bem

Por Rosa Fonseca

Sábado à tarde. Sento-me confortavelmente no meu restaurante preferido. Por sorte, conseguimos a melhor e mais disputada mesa, pela qual é possível avistar a presença gloriosa do mar.

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É um dia agradavelmente quente graças à brisa que emana da praia. Peço a especialidade da casa como entrada, seguida do novo prato de lulas que acabara de entrar no menu para a temporada de verão.

Comemos soberbamente.

Mesmo correndo o risco de você, caro leitor, ter sérias dúvidas sobre minha reputação de chef, preciso revelar que esse lugar idílico trata-se de um pé sujo que fica em Santos. Um daqueles típicos botecos de esquina, com mesas e cadeiras vermelhas da Coca-Cola na calçada, garçons em mangas de camisa, bermuda e chinelos e cartazes de cerveja espalhados pelas paredes.

Conhecido localmente como o melhor bolinho de bacalhau da baixada, é um dos mais conhecidos e badalados points da cidade, que funciona em esquema 24 x 7 e tem fila na porta em esquema 24 x 2 (direto aos sábados e domingos). Achar um lugar ali em uma noite de sábado é ganhar na loteria. Mas os locais, sem aparentaram qualquer traço de mau-humor, encostam-se sorridentes no balcão, vendo acalorados a 7ª. reprise do último jogo do Santos, enquando degustam um chope cremoso e uma casquinha de siri no capricho.

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Aos que ficam na calçada, logo um garçom, sempre amistoso, arranja uma cadeira “que estava lá no fundo”, serve uma caipirinha e um delicioso pastel de camarão “que acabou de sair”. Não tenho dedos para contar quantos desses comensais acabaram ficando por ali mesmo, em suas mesas improvisadas, totalmente esquecidos de que estavam à espera de algo. Da porta, tem-se uma visão privilegiada do salão, o que garante a azaração. Inúmeras foram as vezes em que vi os avulsos deixarem a espera para juntar-se a turmas até então desconhecidas ou amigos e familiares avistando alguém querido, que logo era convidado a juntar-se à mesa.

Adoro esse lugar. E embora o bolinho de bacalhau seja mesmo o melhor que já comi fora de terras lusitanas ou das propriedades de minha família, não é por isso que o amo. Nem pela recém chegada salada de lulas ao molho tártaro. Nem pelo preço inacreditavelmente generoso. Nem mesmo pela proximidade do mar, pelo clima de praia, pelo som contínuo dos brindes que ecoam das mesas, nem mesmo pela beleza-esperta da clientela, com a pele dourada, os cabelos ao natural, pernas à mostra e sorriso fácil – embora tudo isso seja um bálsamo.

O que faz deste meu restaurante preferido é sua frugalidade; porque ali tudo é tão descomplicado, que finalmente posso me entregar ao aqui e ao agora.

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Não preciso mais me preocupar com minha roupa. Posso tirar as sandálias, sentar na cadeira em posição de lótus – que é posição que eu sento à mesa em meu lar, onde estou sempre descalça – fazer um coque com uma caneta Bic e comer com as mãos, chupando os dedos se der vontade. Posso rir, falar alto, falar com as mãos, chamar o garçom de meu chapa e dizer que estava tudo ótimo, sem ser porque ele esperava ouvir isso de mim. Aliás, é justamente porque eles não esperam que sempre ressalto que fui muito bem atendida e tudo estava ótimo como sempre. Adoro suas faces em gratidão genuína.

A felicidade é um caiçara que se acanha ao melhor vestígio de afetação. O prazer mora no simples, caro leitor. Simples assim.