Por que uns sofrem para se separar e outros não?

por Roberto Goldkorn

“Nem sempre é preciso se separar do seu par para crescer”

Continua após publicidade

Um amigo está se separando. Seu sofrimento, suas perplexidades, a gangorra emocional que equilibra em desequilíbrio, irradia a dor como um enfarto agudo do miocárdio para todos envolvidos na situação. Ele se questiona, sente-se culpado, aponta o dedo acusador para o próprio peito e dispara!

Achando-se injusto para consigo mesmo, reserva algumas balas de acusação para a mulher, para os cachorros, para a crise mundial, e a crise na Grécia. Afinal, ele não pariu sozinho seus espinhos, nem é de sua autoria a ausência de respostas claras a perguntas que de claras não podem ter nada: Devo me separar?

Se o que estou fazendo é certo, por que sofro tanto e faço tanta gente sofrer? Se não é certo, por que quando estava casado sofria tanto e fazia tanta gente sofrer? E mais umas duzentas perguntas cujas respostas valeriam vários tesouros de Salomão.

Por que para algumas pessoas a separação dói tanto e para outras nem tanto? Para responder a essa pouco modesta questão, precisamos aceitar que a mente tem abismos cavados há milhões de anos, antes mesmo de existir o que chamamos de mente consciente.

Continua após publicidade

Toda separação repete em seu momento causador, a separação original, primeva (inicial), quando filho e mãe finalmente se separam depois de meses de simbiose completa.

Quando me separo de alguém, minha mente profunda recupera instantaneamente um arquivo remoto arquetípico, universal e atemporal do momento em que me separei da minha hospedeira. Ela me acolheu em seu ninho, me nutriu com seu sangue, me protegeu, criou para mim um ambiente edênico (relativo ao Éden) – como Adão e Eva eu vivia no paraíso, sem esforço, sem suor do meu rosto para obter o pão de cada dia, sem medo dos inimigos, sem o castigo dos elementos.

Mas esse idílio está datado e tem hora para acabar, é a Lei. Para continuar crescendo eu preciso sair, me separar desse conforto, correr riscos, enfrentar o desconhecido. Para minha hospedeira uma encruzilhada também irá se formar diante de si: ela não pode comer o bolo e continuar com ele inteiro – ou uma coisa ou outra. Ela vai ter de se separar de mim se quiser ter-me. Em ambos os lados desse drama vemos situações, conflitos naturais sim, aparentemente, mas que envolvem decisões nada fáceis, que tomamos por automatismos, mas há sempre dor envolvida.

Continua após publicidade

Não é à toa que eu choro, berro quando tenho de sair para esse ambiente hostil e desconhecido, tão diferente do ninho quente, úmido, aconchegante, silencioso em que me acostumei durante todos esses meses. Por que choro? Medo basicamente, talvez um pouco de raiva, de revolta, mas antes de mais nada, medo. Uma separação com choro e sangue, cenário típico de uma tragédia. Pode ser que o espaço estivesse bem apertado, que eu mal pudesse mexer as minhas pernas, que meus ouvidos já captassem sons intrigantes ao longe. Mas sair daqui desse “aperto” conhecido, e ir para onde? O que há do outro lado? Que tipos de solidões e de monstros podem estar à minha espreita? Claro que eu tenho medo!

Mas não há alternativa, ou nos separamos ou morremos e, pior que isso – não crescemos – tragédia maior.

Por que nos separamos? Porque chegamos ao limite do nosso crescimento no paraíso, agora precisamos ser expulsos, precisamos comer do fruto da árvore do conhecimento para poder crescer e continuar o ciclo da vida. Mas nem todos conseguem.

Mãe e filho inseparáveis

Às vezes as hospedeiras amam tanto, tão desvairadamente seus pequenos hóspedes que conspiram laboriosamente para mantê-lo (do lado de fora “infelizmente” pensam) cativos e não crescido ao seu lado. Ou o que acontece é o contrário: os pequemos hóspedes malgrado (que linda palavra) cresçam fisicamente e se recusem a abdicar de seu éden particular de proteção e da segurança quente de sua hospedeira – naufrágio à vista.

Isso é contrário à Lei não escrita da evolução. Todo aquele sofrimento primordial é um preço justo que pagamos justamente para poder crescer, para realizarmos o nosso destino de Ser. E quando um dos lados (ou em sintonia pérfida ambos) resolve que vai em frente, que vai rasgar esse pacto primordial, vai sofrer, vai sangrar, exatamente quando se separou pela primeira vez.

Por que o meu amigo sofre tanto? Por que ele se enreda num emaranhado de emoções, misturadas do passado que vêm ao presente, e do presente se projetam temerosas no futuro: um rolo, uma arquitetura de encruzilhadas que se sobrepõem, mas absolutamente enriquecedoras!

Nem sempre é preciso se separar do seu par para crescer: quando duas almas maduras se encontram já existe um pacto oculto entre elas, onde cada um se vê como a plataforma de lançamento do outro. Esses encontros de almas maduras, que não querem brincar de mãezinha e filhinho e sim de adulto 1 e adulto 2 são o coroamento de um longo caminho, que certamente teve seus pedregulhos e tropicões.

As pessoas que não passaram e não passarão nunca por essa crise de nascimento/crescimento, não devem invejar o meu amigo e vice-versa. Cada um tem um ritmo em seu passo pelo caminho das estrelas, cada um de nós está num ponto desse caminho; rasgar por dentro e berrar de tanto sofrer não é obrigatório, não é uma regra absoluta.

Quando acontece de nos vermos nessa situação, porém, Viva (!), estamos diante da oportunidade única de dar um passo adiante, trocar de pele, e começarmos a ver, bem pequeninhas, quase um broto, nascerem as asinhas as nossas costas. Afinal, quem voa sem asas?

 

Soneto da Separação/Vinícius de Moraes

De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.

De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama

De repente não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente

Fez-se do amigo próximo distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente não mais que de repente