Entenda a terapia de regressão vivencial

Por Leonel Vieira

Num artigo anterior, comentei sobre as gestalts abertas (clique aqui e leia), ou seja, situações não resolvidas que suprimimos da nossa consciência pela ‘repressão’, que drenam a nossa energia vital – o chi. E, enquanto não resolvidas, podem ficar gravadas em nosso inconsciente como ‘programações negativas’. Comentei, também, que estas ‘programações negativas’ podem ser combatidas por meio de processos que permitam ao paciente reviver e reelaborar o episódio traumático. Um destes processos é a ‘terapia de regressão vivencial’.

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Para explicar o que é e como funciona esta terapia, vou contar um caso real. Por questões éticas, o nome da paciente é fictício, informações que permitiriam identificá-la foram mudadas, e há seu consentimento para a publicação deste caso.

Vera, 43 anos, divorciada, dois filhos. Seu problema: sentia-se insegura em tomar decisões importantes para a sua vida, deixando que outros as tomassem. Tinha muita dificuldade em dizer não, abdicando-se de suas próprias necessidades para atender a dos outros, e se sentia constantemente insegura e ansiosa. Isto ocorria tanto em casa (morava com a mãe, que ‘mandava’ nela e nos netos), como no trabalho (permitia que até colegas dessem-lhe ordens). A sessão de regressão vivencial, que descrevo a seguir, faz parte de um conjunto de sessões a que Vera se submeteu, durante um período de seis meses, dentro do tema: a relação de excessiva dependência da mãe.

Após aplicar uma técnica de relaxamento que leva Vera a um estado aprofundado de consciência, oriento-a para que reviva um evento relacionado ao tema, que esteja na origem do problema que está sendo trabalhado na sessão. Porém, que seja um evento que ela tenha, no momento, condições emocionais de vivenciar e elaborar.

Vera começa a chorar. Quando lhe pergunto sobre o motivo do choro, fala que se vê deitada no chão, chorando. Tem três anos de idade. “Acho que ela não gosta de mim”, diz com voz meio infantil. Pergunto quem é ela e Vera reponde: “Minha mãe”.

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Continuando, diz: “Está escuro, não tem nenhuma luz”. Tem medo, treme, sente-se sufocar. Sente-se triste e rejeitada. A mãe está ao lado – “Ela está vendo eu chorar. Ela não me dá a mão. Ela só olha para mim.” Pede colo à mãe, mas esta não lhe responde, nem faz qualquer gesto em sua direção. “Eu tou sozinha. O que eu vou fazer sozinha? Não quero mais ficar sozinha”. Sente-se triste, com um grande vazio.

Acha que sua mãe não está se importando – “Não fica com pena”. Vê, então, sua mãe esticando os braços em sua direção: “Engraçado, ela com o braço esticado e eu olhando pra ela. Eu estava pedindo colo pra ela, mas agora não”. Ambas, mãe e filha, ficam quietas, olhando uma para outra. Vera sente que sua mãe está pedindo ajuda: “É engraçado o que eu estou sentindo. É como se ela estivesse pedindo ajuda também. Eu pedindo ajuda e ela pedindo ajuda”.

Vera toma consciência, então, que sua mãe não queria ter tido uma filha. Não queria ter ficado grávida. Neste momento, reage e – lutando contra a tristeza, contra o sentimento de rejeição, o medo e a sensação de sufocamento – consegue se sentar, e isto é uma grande vitória para ela que, assim, retoma contato com suas forças internas.

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Com Vera ainda em estado aprofundado de consciência, oriento-a para que identifique, em relação a tudo o que vivenciou, o momento mais traumático, mais significativo. Identifica-o como o momento em que, no chão, encolhida, pede colo à mãe, mas esta só olha e não faz nada. Conduzo-a, então, a revivenciar este momento, explorando-o mais a fundo. Revivencia as emoções, sensações, pensamentos e intuições já descritos e percebe outras coisas: vê-se, em determinado momento, como se encolhesse – “Como se eu estivesse encolhendo, encolhendo, encolhendo, diminuindo. Estou encolhida como se fosse morrer”.

Ajudo-a, em seguida, a aprofundar a elaboração da vivência. Percebe, então, com mais clareza, as carências e fragilidades da mãe, tanto na época, como na atualidade, e sente compaixão por ela. Aprofunda, também, a consciência de suas forças internas e formula uma redecisão de vida baseada naquela vivência: “Eu supero as minhas dificuldades”.

A elaboração da redecisão é um dos momentos-chave de uma terapia bem sucedida de regressão vivencial, e deve brotar do próprio paciente com a ajuda do terapeuta, que age como um ‘parteiro’ facilitador do processo. A redecisão deve ser sentida pelo paciente como algo que elimina total ou parcialmente as percepções e ‘mandatos’ ou ‘programações’ negativas induzidas pela situação traumática ocorrida no passado.

Ao dizer a frase da redecisão, Vera sente “uma força que vem de dentro”. Peço, então, que visualize uma cena em que esteja aplicando naturalmente a redecisão. Visualiza-se no meio de muitas pessoas, agitadas, nervosas e, ao contrário do que faria habitualmente (também ficaria nervosa, até mais do que as pessoas ao redor), vê-se calma, raciocinando com clareza e encontrando solução adequada à situação.

A sessão continua com um processo de desprogramação que permite que a recordação permaneça, mas sem a carga pesada das sensações e emoções negativas, agora já elaboradas, e termina com a programação positiva – um processo de fortalecimento da redecisão e das emoções e imagens positivas associadas.

A sessão seguinte é uma sessão de integração, isto é, uma sessão para ajudá-la a integrar tudo o que viveu. É muito comum, durante a semana, o paciente ter novos insights, isto é, compreender, com mais detalhes, a relação causal do que vivenciou na sessão com padrões de comportamentos que tem tido em sua vida e que a prejudicam. A sessão de integração serve, também, para avaliar como a redecisão está sendo aplicada na sua vida e o ajudar nesta aplicação.

No caso da Vera, posteriormente coisas importantes ocorreram, já perceptíveis na sessão de integração e reforçadas com as sessões de regressão e integração seguintes: começou a perceber sua mãe de outra maneira, perdendo o medo e estabelecendo com ela uma relação mais madura, colocando limites aos seus comportamentos dominadores e assumindo mais seu papel de mãe junto aos dois filhos, orientando-os com maior segurança. Também, no trabalho, começou a atuar mais assertivamente, tomando decisões e se posicionando mais claramente em reuniões, ocupando seu espaço legítimo e ampliando suas chances de crescimento, passando a ser notada positivamente por superiores e colegas, não mais se sentindo “invisível” como se sentia antes.

ATENÇÃO!: É importante ressaltar que a terapia de regressão vivencial é uma técnica complexa, que atua profundamente no inconsciente e, por isto, se não for bem conduzida, por profissional habilitado, poderá fazer mais mal do que bem. Além disto, há casos para os quais é adequada e outros para os quais não é. Por estas razões, só deve ser aplicada por psicólogos ou psiquiatras com uma formação específica neste campo, o que inclui terem se submetido, como pacientes, a um processo de terapia didática em regressão vivencial.