Quando o trabalho se torna um fardo

por Roberto Goldkorn

Recentemente um gerente de RH me relatava preocupado com o alto índice de licenças médicas em algumas empresas. Ele dizia que apenas em uma delas, quase 1/5 dos funcionários estava em casa com autorização médica. Preocupado com esse altíssimo grau de absenteísmo causado por 'problemas médicos' ele sugeriu uma mudança dos critérios de licença médica pelos responsáveis.

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Como ele, também custo a acreditar que esse número de pessoas esteja realmente com problemas de saúde e por isso não possam trabalhar. Muitas dessas pessoas buscam nas franjas da lei uma maneira de ficar longe daquilo que (de uma forma ou de outra) lhes faz mal, ou seja, o seu trabalho. Essa atitude é muito mais comum do que possam imaginar os que não privam da intimidade das empresas.

Nem sempre é possível o recurso da licença médica, mas sempre há truques para diminuir o 'sacrifício', mas a maior vingança dos sacrificados funcionais e mal adaptados é o mau desempenho e a conseqüente queda da produtividade. Há milhares de formas, algumas velhas outras novas e criativas, de roubar tempo e sabotar o trabalho, quando o funcionário está de mal com a empresa ou de mal com a vida, o que no final dá no mesmo.

Tenho convicção que a maior fatia de responsabilidade por essa situação, é das empresas que ainda mantêm modelos criados na Revolução Industrial no século XVIII. O maior desafio, não é colocar os médicos na folha de pagamento da empresa, ou pressioná-los a serem mais rigorosos na outorga de atestados.Todos querem trabalhar, mas uma vez conseguido o emprego, uma vez conseguida (por tempo de serviço) uma aparente estabilidade, a motivação original (fugir do desemprego) se vai, e outras precisam substitui-las.

Repetindo o maior desafio da empresa do século XXI é servir de plataforma de lançamento para a realização dos sonhos e projetos de vida dos funcionários. Por que seria da empresa essa responsabilidade? Por que apenas a empresa consegue reunir as pessoas em torno de um objetivo comum durante tanto tempo, e isso é fundamental. A empresa pode (e deve) ajudar a educar as pessoas, no sentido mais amplo da palavra educação, e não apenas na responsabilidade social, mas humana e planetária.

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O trabalho repetitivo e sem finalidade representado pelo *mito de Sísifo, pode ganhar razão de ser e finalidade se for seguido de ações que modifiquem efetivamente a vida da sociedade, e engrandeçam o funcionário-indivíduo. Já sabemos que ações concretas, que visem resultados reais e observáveis no âmbito social são altamente motivadoras. E sabemos também que os funcionários antes de serem apenas engrenagens dentro de uma organização, são seres sociais, e sofrem todas as instâncias do desarranjo social. Assim, as empresas deveriam entender que estamos todos no mesmo barco. Não é possível progredir cercado por um meio social e ambiental degradado, pelo menos não o progresso estável e sadio.

Engajar as pessoas na empresa em ações apoiadas pela corporação, ou incentivá-las a agir tendo os recursos da empresa à sua disposição, não só criará um novo ímpeto, mas também identificará a empresa com os aspectos humanos que estão em falta e esterilizam a motivação de seus funcionários. Isso não fará com que a fabricação de parafusos ou de filtros de ácido sejam mais interessantes ou emocionantes; mas trará um conteúdo supra operacional, que atingirá o nível emocional das pessoas e as fará sentirem criativas, agentes sociais e humanos eficientes. Elas saberão que o bem-estar que obtiveram para outros, foi conseguido produzindo parafusos ou filtros de ácidos.

Para libertar o indivíduo da sina de Sísifo, é preciso dar-lhe a chance de ser um agente social, e quem não se interessar por esse desafio real, deve estar fora do jogo. Como disse uma frase no pára-choque de um caminhão: "Quem não vive para servir, não serve para viver."

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* Mito de Sísifo: Trata-se de um castigo ao qual os Deuses (gregos) submeteram o 'herói'. Esse castigo consistia em subir uma montanha carregando uma pesada pedra e ao chegar lá, arremessá-la montanha abaixo. Descer, pegar novamente a pedra, subir com ela, arremessá-la para baixo, descer, pegar a pedra, subir com ela, etc, etc. É uma fantástica metáfora sobre o trabalho sem objetivo, não construtivo, não criativo, apenas repetitivo, sacrificial e sem sentido para quem o realiza, que o vê apenas como uma punição.