Um universo moral? Deus não é religioso

por Roberto Goldkorn

Uma amiga me telefonou “cobrando” explicações para a impunidade de políticos corruptos e outros meliantes maus-caracteres. Sabedora da minha visão “espiritualista” do cosmo, queria saber porque essas pessoas não eram punidas pela Justiça Divina.

Continua após publicidade

“Não existe algo como justiça moral, ou justiça paritária no conceito espiritual. A tal tese do olho por olho e dente por dente, é uma grande, imensa balela. Como fazer que Hitler (só para citar um exemplo clássico) e seu bando paguem pelos milhões de sacrificados, torturados, apavorados de seu regime, se ele só tem a vida dele para pagar essa conta?

Tive alguma dificuldade de explicar-lhe que o Universo no qual estamos inseridos não funciona assim. Na mesma hora lembrei-me do infeliz comentário do cônsul geral do Haiti em São Paulo, George Samuel Antoine sobre as razões prováveis da desdita desse povo: “Acho que de, tanto mexer com macumba…”, disse ele achando que não estava sendo gravado.

Se ele fosse muçulmano, talvez acreditasse que os “mártires de Alá” que se despedaçam em sua cruzada contra os infiéis vão para um paraíso com dez mil virgens. E as virgens o que fizeram para estar lá? E as mulheres que se oferecem ao sacrifício? Vão ser as tais virgens, ou irão para um paraíso repleto de garotões sarados com barriga de tanquinho? Meu pai em sua inquestionável ignorância, dizia toda vez que uma tragédia atingia católicos: “E Deus onde estava nessa hora, que não protegeu seus fiéis?”

Deus deixa rolar

Continua após publicidade

Deus não incentiva pessoas a construir casas em barrancos, nem segura o barranco quando ele está maduro para cair. Deus não favorece ninguém, de nenhuma religião, de nenhum credo, de nenhum partido político, pelo simples motivo que Deus não é religioso. Precisamos acordar dessa lombeira que parece não ter fim: Deus é a energia primordial que engendrou tudo isso que está aí, visível e invisível. E apesar de não entendermos essa bagunça que chamamos de mundo, existem regras, leis e Deus está também sujeito a essas leis. Sei que isso é duro de engolir para quem está cooptado pelos “deuses” criados à imagem e semelhança das fraquezas dos homens, mas é assim mesmo.

Gostaria de saber o que o cônsul do Haiti diria diante de um terremoto muito mais devastador acontecido em Lisboa em 1755 (justamente num dia santo), com um dos povos mais ferrenhamente católicos do mundo. Eu não sei dizer quantos morreram, mas deve ter sido bem mais de duzentos mil portugueses, e imaginem naquela época sem os recursos que temos hoje.

Não existe algo como justiça moral, ou justiça paritária no conceito espiritual. A tal tese do olho por olho e dente por dente, é uma grande, imensa balela. Como fazer que Hitler (só para citar um exemplo clássico) e seu bando paguem pelos milhões de sacrificados, torturados, apavorados de seu regime, se ele só tem a vida dele para pagar essa conta? Como cobrar na mesma moeda dos inquisidores da igreja medieval pela barbaridades que cometeram em nome de Deus, matando pessoas inocentes por crimes de judaísmo, ao mesmo tempo em que adoravam um Deus judeu!

Continua após publicidade

Os planos de Deus são insondáveis e vamos ser realistas, não somos como humanidade, a última cereja do bolo Dele. Basta só nos olharmos no espelho ou na lente da verdade como dizia o Clodovil. As religiões que pregam a humildade e a anulação diante de Deus, fazem justamente o oposto, num truque sujo e bobo: Querem nos alçar a um status diante de cosmos que não possuímos e nunca possuiremos. Se daqui a mil anos, não houver mais nenhum haitiano no Haiti ainda vai haver deslocamento das placas tectônicas e um imenso terremoto vai provocar a morte de alguns ovos de passarinho caídos do ninho. Alguns lagartos serão esmagados por pedras que rolam e uma vara de porcos do mato irá cair numa imensa fenda aberta no chão. Talvez os porcos sobreviventes “pensem” que o deus dos porcos os abandonou. Se houver alguém mais realista, pode responder como o Marques de Pombal depois do terremoto de Lisboa, à pergunta “O que faremos agora?”

“Enterremos os mortos e cuidemos dos vivos.”