Temos que rever nossa visão de concorrência

por Dulce Magalhães  

A concorrência é uma pedra no sapato. Não há organização que não fique em brios ao ver o concorrente ganhando o “seu” espaço no mercado.

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Entretanto, a concorrência é o mais eficaz meio de progresso. O concorrente nos empurra à frente, nos faz usar nosso talento, nossas ideias, nos impulsiona para além dos limites a que estamos acomodados. No exercício de mercado é o concorrente, e não o cliente, que verdadeiramente nos faz grandes.

No Brasil nossa visão de concorrente é uma visão de guerra, de confronto, de antagonismo. Temos exemplos históricos de luta contra a concorrência. Nosso país ficou anos no obscurantismo tecnológico, tentando preservar um mercado fechado à concorrência internacional. Assim que passamos a abrir nossas fronteiras comerciais, muitas empresas, antes atendidas pelo manto protetor do Estado fechado, faliram ou foram incorporadas por administrações mais competentes. Foi triste ver marcas conhecidas, respeitadas e, por que não dizer, queridas, se vergarem ante à força dos ventos competitivos, até a quebra. Contudo, ao fazermos o retrospecto, o mercado brasileiro ganhou muita competitividade com a abertura de mercado. Muitas de nossas empresas deram um salto de qualidade e ganharam espaços de concorrentes internacionais poderosos, o que prova que não é o protecionismo, mas a livre concorrência que amplia nossa capacidade e reforça nossos talentos.

Só que os hábitos não se alteram tão rapidamente quanto os fatos exigem. Para citar exemplos recentes, viajando pelo Brasil, ouço histórias de arrepiar qualquer livre pensador. No sul do Pará há amigos que não se falam mais porque se tornaram concorrentes, no Centro-Oeste brasileiro novos concorrentes são ameaçados e vivem sob terror. No Rio Grande do Sul um “empresário” mandou matar dois de seus mais fortes concorrentes, em São Paulo a indústria da denúncia e da perseguição tem servido a propósitos escusos, onde determinados segmentos tem controle sobre o tamanho e a influência de seus concorrentes. Esses exemplos não estão limitados às regiões citadas, estão na verdade, espalhados por todo o Brasil. Vale resgatar um caso público e recente da história de nosso cinema nacional.

Exemplo notório do passado

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Quem não se lembra da entrega do Oscar, quando nós brasileiros fizemos figa, nos reunimos em torcidas organizadas e vibramos com a chance de nosso excelente Central do Brasil (Walter Salles 1998), levar pelo menos uma, das duas estatuetas a que foi indicado? A verdade é que tivemos um páreo duro pela frente. A genialidade e delicadeza do filme A Vida é Bela seria premiado, merecidamente. Todavia o que foi mais tristemente marcante nesse episódio, foi o comportamento da mídia ao comentar o “concorrente”. O comentarista da televisão disse que Roberto Benigni era tão bobinho quanto parecia no filme, apenas por ficar felicíssimo ao ganhar o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro (prêmio ao qual concorríamos). É certo que nosso talentoso Walter Salles Jr. não teria feito uma exibição tão emocional, por ter outro estilo pessoal, mas é uma questão de estilo. Muitos italianos, a exemplo de Benigni, são de uma extroversão emocional que beira o drama, esse é um traço da afetuosa cultura italiana, nada mais que isso. Para sermos absolutamente sinceros, muitos brasileiros naquela situação, certamente teriam um comportamento tão emocionado e feliz quanto o diretor italiano. E só ver as torcidas nas grandes finais esportivas para saber o quanto somos passionais.

Porém as manifestações de desprezo ao concorrente não ficaram por aí. Ao ganhar o prêmio de Melhor Ator, aliás por uma interpretação extraordinária, os comentaristas se mostraram surpresos por não ser um dos “grandes” atores americanos e sim, um italiano, a ganhar. Alguns jornais chegaram a afirmar que foi uma boa interpretação, mas que o prêmio foi injusto. Por quê? Ninguém disse o porquê. Não se falou muito do prêmio que nossa inigualável Fernanda Montenegro não levou. Isso sim de uma injustiça ímpar, pois sua atuação foi acima do magnífico. A Dora a que ela deu vida nas telas, é uma personagem tridimensional, real, tão verdadeira que a gente tem a impressão de conhecer alguém exatamente assim. Isso é construir uma personagem, o resto é indústria.

Comentários jocosos e carregados de preconceito, afirmaram que o filme italiano teria sido feito nos moldes hollywoodianos, que é o mais bem-sucedido cinema do mundo, como se isso fosse um defeito. E ao fazer o discurso de agradecimento em inglês, nossa mídia alfinetava que Benigni teria falado em inglês “macarrônico”. Roberto Benigni fala italiano, e diga-se de passagem inglês também, e não podíamos admitir que tivesse sotaque!

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Temos que rever nossa visão de concorrência. Não é ao destratar nossos concorrentes que vamos aumentar a qualidade e visibilidade de nosso trabalho, mas aprendendo com nossas experiências de mercado e criando uma sistema triunfador “Made in Brazil”. Como bem disseram Waltinho e Fernanda, Central do Brasil é um filme vitorioso, e não são os prêmios que determinam isso, mas o cliente que lota as salas de cinema mundo afora. O maior concorrente que temos a vencer está em nós mesmos. A autossuperação é a melhor forma de ganhar competitividade. Tomara que a gente aprenda isso logo.