Entre em contato com o seu ser e ouça sua voz interior

por Roberto Goldkorn

 “As minhas vozes, porém tiveram uma função de valor inestimável para um sujeito como eu que tanto se expõe de forma acintosa: ela me diz quem eu sou de VERDADE”

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Um dos sintomas clássicos da esquizofrenia são as vozes que atormentam continuamente os pacientes.

Já conheci alguns e sei que é um imenso desafio lidar com essa percepção única, incomunicável e intransferível.

Quando o rapaz que a mãe me trouxe finalmente revelou que ouvia vozes e que essas o atormentavam dia e noite, fiquei exultante pois acreditei tê-lo encurralado. Eu iria desmontar a sua alucinação pela via da linguagem. Meu plano terapêutico era, ingenuamente, conseguir dele os textos das suas vozes para então devolver-lhe a evidência de que as vozes não poderiam estar dizendo aquilo e que portanto eram ilusórias. Ingenuidade de um jovem e inexperiente terapeuta. Ele obviamente sabia como proteger dos meus scanners intelectuais o produto mais caro de sua doença.

Por mais que eu insistisse e tentasse pegá-lo em armadilhas bem montadas, ele não me revelava inteiramente os textos das suas vozes, sempre o acusando de delitos vagos, imprecisões oferecidas com a inteligência primitiva da loucura contra a minha ânsia de lógica.

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A experiência, porém me ensinou que os sintomas de meus clientes esquizofrênicos, são apenas a face extrema e radical de um fenômeno muito mais prosaico, talvez até universal. Todos nós ouvimos vozes! TODOS. A diferença é que os portadores de uma patologia psíquica ouvem berros, os gritos de suas psicoses, de suas culpas não expiadas, de seus demônios pujantes e não conseguem se distrair com outras vozes mais legais.

Para nós “normais”, as vozes também ecoam, em níveis de decibéis bem mais baixos, e com conteúdos mais amenos. Porém o grande truque que nós “normais” criamos para não sermos incomodados por nossas vozes, foi criar a cada dia mais e mais orquestras para tocar loucamente e assim abafar as vozes silenciosas que teimam em discursar nos ouvidos virtuais de todos.

Claro que criar orquestras não é o único recurso dos “normais”: encher a cara, fumar maconha ou crack, “cheirar, beber e fumar”, trabalhar com a compulsão de um drogadito qualquer também cria cacofonia e abafa as coitadas.

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Às vezes elegemos grandes amores e, vamos migrando de um para o outro só para não deixar um espaço de vácuo por onde as nossas vozes possam nos alcançar.

Tenho um amigo de longa data que foi abandonado pela mulher e ao mesmo tempo faliu. Agora ele passa a maior parte de seu tempo conectado na internet, em sites de bate-papo, em busca de sexo e excitação. Não, não é verdade, ele está apenas tentando abafar a cacofonia de suas vozes interiores. Mas o que essas vozes estariam lhe dizendo de tão apavorante e que ele mesmo sem tê-las ouvido, as teme tanto?

Talvez elas venham a acusá-lo de ter desperdiçado a sua vida com inutilidades (isso é que a maioria das pessoas teme), de ter desligado o intercomunicador espiritual e assim perdido os telecursos da inteligência cósmica que poderiam elevá-lo a um patamar superior de existência.

Concordo que as vozes podem ser implacáveis em suas acusações.

Concordo que para a maioria de nós ouvir peças de acusação sem remetente a quem possam ofender, agredir ou cuspir na cara pode ser um pesadelo insuportável. Acostumados ao “bater-levou”, às réplicas e tréplicas, ouvir vozes que saiam do oco de nosso ser para nos enquadrar não é mole não.

Mas todos produzimos e recebemos essas vozes, não tão gritantes quanto as do meu cliente esquizofrênico de trinta anos atrás, mas ainda assim vozes.

Eu de minha parte tenho apurado meus ouvidos e engrossado meu couro para aguentar o que minhas vozes me dizem. No geral o balanço está sendo até agora positivo. Elas me vêm socorrendo sempre que dou com a cara nos limites do meu conhecimento adquirido e ele não é suficiente para me safar da situação.
Aí elas sussurram a solução, me esticam o dedo apontando um caminho insuspeitado.

As minhas vozes, porém tiveram uma função de valor inestimável para um sujeito como eu que tanto se expõe de forma acintosa: ela me diz quem eu sou de VERDADE. Assim quando alguém pensa em me dizer “verdades ao meu respeito” estou vacinado, já sangrei tudo o que havia para sangrar e sorrirei. Se não forem verdades, me farão rir.

Em resumo as minhas vozes, me tornam invulnerável. Nenhum dedo em riste apontado na minha cara se tornará uma seta envenenada. Elas já fizeram esse papel, numa espécie de test-drive virtual, e me mataram inúmeras vezes, de morte… virtual.

Se você está com chiado no ouvido e não é cera, talvez seja o seu coro de vozes querendo dar o recado. Quer uma dica: desligue o rádio e a TV, fique sóbrio por algumas horas e faça conchinha com a mão em torno da orelha. Ouça o que elas querem lhe dizer, por favor.

Depois sente-se e chore o quanto for necessário. Levante-se e tomando cuidado para não ser atropelado pela bicicleta que vem pela esquerda, aprecie o dia. Você verá que embora tudo continue exatamente igual, você estará diferente, não posso garantir que estará melhor, nem pior.

Qual é a vantagem desse esforço subauditivo então?

Poder se olhar no espelho e ver sua face verdadeira. Isso não tem preço. Saber que você entrou em contato com o seu deus interior (e com seus diabos também).

E por fim a certeza de que quebrou os espelhos enganosos do falso ego, daquilo que o mundo quis que você fosse, das mentiras que lhe contaram a vida toda sobre si mesmo e a existência.

Essa é a recompensa suprema por ter escutado as vozes sem dono que brotaram do mais profundo de seu Ser.