Bebês têm capacidade de resiliência

por Ceres Araujo

Resiliência é a capacidade latente para se curar, é a capacidade para sobrepor-se à adversidade. Pessoas dotadas dessa capacidade podem ser abatidas pelas vicissitudes da vida, mas retomam sua integridade, podendo tornarem-se mais fortes e mais resistentes ainda. Assim, resiliência é a capacidade humana universal de superar as adversidades da vida e de ser fortalecido por elas. É um potencial humano presente nos seres humanos em todas as culturas e em todos os tempos. Portanto, ela é parte do processo evolutivo da pessoa e pode ser promovida desde o inicio da vida.

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Viver situações difíceis faz parte do fato de estar nesse mundo e crescer implica em resolver situações de conflito e de crise durante a existência.  O que faz o indivíduo ser ou se tornar resiliente, hoje se sabe, é a construção de si mesmo na relação afetiva com os que estão ao seu redor, possibilitando perspectivas positivas sobre si mesmo e sobre a realidade.

Para o bebê, um apego seguro com as pessoas significativas, nas primeiras relações interpessoais, é um fator fundamental para o desenvolvimento do processo de resiliência. A função reguladora das interações bebê-cuidador promove o desenvolvimento e a manutenção dos circuitos funcionais do cérebro. Tais circuitos estão envolvidos com os processos implícitos de controle das funções vitais ligadas à sobrevivência e à capacidade para enfrentar desafios e estresse.

Assim, a falta de um apego seguro nas primeiras relações com os cuidadores significativos pode ocasionar uma elevação crônica do nível de estresse, uma dificuldade na regulação dos níveis de excitação interna e um uso caracterológico da dissociação patológica inconsciente, em todos os períodos posteriores da vida, comprometendo a atualização do potencial para o desenvolvimento do processo de resiliência.

Busca-se estudar, hoje, a resiliência desde a vida intrauterina. No estado fetal, é intensa a formação de sinapses no cérebro e, em função dos estímulos recebidos, representações mentais são registradas com traços duráveis. Na gravidez, quando a mãe é traumatizada por alguma situação, verifica-se o aumento de cortisol amniótico, que é absorvido pelo feto e que pode, em cadeia, provocar alteração em grande número de neurônios. Sob circunstâncias desse tipo, o bebê nasce fragilizado; em geral, hipersensível; e com problemas de sono e de aleitamento, o que pode interferir sensivelmente no seu crescimento. Trata-se de uma vulnerabilidade neuroemocional adquirida ainda no útero. Caso esse bebê vulnerável seja inserido em um ambiente empobrecido emocionalmente, seu desenvolvimento fica ainda mais comprometido.  

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Para o recém-nascido, é importante a qualidade da estrutura afetiva do meio ambiente, pois ela é  determinante para a estrutura do  seu mundo interno. As condições dos cuidados maternos, se boas, podem dar ao bebê a segurança que ele precisa. No recém-nascido, é o espaço da relação entre ele e sua mãe que determina no cérebro a aquisição de um fator de vulnerabilidade ou de resiliência. Daí a importância da competência afetiva dos pais.

No início da vida, os diálogos entre o bebê e sua mãe, chamados protodiálogos, têm importância na criação de vínculos seguros entre eles. A sintonia de afetos entre o bebê e a mãe cria os estados de excitação positiva e as intervenções reparadoras da mãe modulam os estados de excitação negativa. A resiliência do bebê diante de situações novas, ou que causam estresse para ele, é o principal indicador de segurança das primeiras relações de apego.

Do último trimestre da gravidez até dois anos, a desregulação da excitação prejudica a comunicação visual, a prosódica, a gestual, a tátil, enfim, toda a comunicação não verbal. O cuidador inacessível ou inadequado às expressões de emoção e ao estresse do bebê deixa de participar da regulação do nível de excitação da criança. É quando ocorrem níveis de estimulação/excitação muito altos a ponto de serem insuportáveis para o bebê ou quando se verifica a negligência com níveis de estimulação ao bebê  muito baixos.

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Sabe-se que o apego é uma aquisição afetiva que fica impregnada na memória desde os primeiros meses do bebê e que um apego seguro é o fator de resiliência mais fundamental para ele. O espaço da relação interpessoal que envolve todo o sujeito em formação, ao possibilitar um estilo de apego seguro com o mundo, tende a desencadear de forma mais expressiva os processos de resiliência.

O amor a si mesmo ou a autoestima não são inatos, mas advêm das experiências de vida, das interações com as outras pessoas e são construídos gradativamente ao longo do desenvolvimento. O amor dos pais e o olhar “coruja” dos pais fazem com que o bebê se sinta querido, distinguido e valorizado. Sentir-se reconhecido pelo olhar de seus pais é um fator primário para a construção de uma boa autoestima, fortalecendo sua capacidade de resiliência. Acredita-se que quando o bebê tem a vivência de ser olhado e reconhecido pelos pais, nele é impregnada a gênese da capacidade amorosa que lhe permitirá, no futuro, o apaixonamento pelos outros.