Olhar vigilante pode ajudar a diminuir o seu medo

por Roberto Goldkorn 

O único sujeito sem medo foi internado no Hospital Psiquiátrico e "jogaram a chave fora." O medo é nosso companheiro de sempre, nos segue como uma sombra na maior parte do tempo. O problema é quando a sombra resolve controlar o corpo, tipo assim: o rabo balançar o gato!

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Por que o medo está presente, mesmo quando não sentimos medo? Porque estamos vivos! Seria uma resposta cretina, mas sábia, que de forma alguma encerra o assunto.

Uma amiga querida, não se imagina morando ou se hospedando em um apartamento que vá além do segundo andar. Ela tem medo da altura. Outro sujeito que conheço há séculos, nunca moraria num apartamento do primeiro ou segundo andar. Ele tem pesadelos onde ladrões escalam as paredes e invadem seu apartamento na calada da noite enquanto dorme o sono dos justos.

Outro conhecido, construiu uma mansão magnífica com uma linda piscina junto à casa. Pouco tempo depois nasceu seu filho. Logo sugeri que ele cobrisse a piscina com uma cobertura própria. Ele fez aquela cara de "ué?" E eu disse: "Não é por causa do bebê que ainda é de colo, é para sossegar a mente dos pais e de todos à volta". Ele ainda riu, e não disse, mas deve ter pensado: "Lá vem o Roberto com aquelas 'psicologices' novamente." Tentei explicar que às vezes os pais chamam o pediatra mais para conforto emocional deles próprios do que pela necessidade real do filho. Não adiantou. Mas o tempo passa rápido, e o bebê aprendeu a andar depressa, por outro lado a piscina teimou em ficar no mesmo lugar. Três anos depois durante um churrasco, a babá, chegou discretamente procurando o júnior. A tia, não o havia visto. A mãe disse: "Pensei que estava com você." A babá respondeu que ele foi com a prima. Mas a prima estava lá no cantinho brincando com amiguinha. O pai que até então estava bebendo e dando risadas, logo ergueu a cabeça para se inteirar da situação. "Quem viu o júnior?". "Ele não está no quarto de brinquedos, ele não está na varanda, não está na cozinha. O pai larga a cerveja e suas feições se modificam: "Alguém foi ver na piscina (descoberta)?" Ele pergunta com a aflição mudando o tom de sua voz. E sai correndo em direção à piscina. O júnior estava bem, foi com um parente olhar os cavalos que chegaram. Ufa que susto.

O medo espreita sorrateiramente à nossa volta no espaço em que habitamos e trabalhamos. A mãe que se arrepia cada vez que o bebê passa raspando na quina daquela mesa de vidro no centro da sala, não sabe, mas o medo de um acidente com seu filho vai assombrá-la em forma de sonhos sinistros e pensamentos fugazes onde sangue, dor e desespero fantasiam uma possibilidade concreta representada pelo casamento de uma mesa em posição ameaçadora e aquela criança distraída que – ela sim – nem imagina o perigo que corre dezenas de vezes por dia: "Só por Deus mesmo!"

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Submedo: medo sutil

Tudo que existe na nossa casa é potencialmente ameaçador e pode gerar o medo sutil, aquele mais perverso, porque dele não temos consciência e, portanto, não podemos nos defender. Esse submedo é que vai aparecer disfarçado, alegorizado em nossos sonhos e/ou pensamentos semiconscientes. Já sentiu um incômodo, um desassossego não identificado, como se fosse uma pedrinha invisível em seu sapato? Pode ser o medo não manifestado, não identificado, criado por alguma peça ou estrutura à nossa volta no espaço que habitamos, ou onde trabalhamos.

Um cliente, dono de uma grande construtora, estava com um comportamento agressivo (segundo seus funcionários) que não havia demonstrado antes. Questionado, ele disse que o mercado estava muito instável. Perguntei de seus sonhos (já sabendo a possível causa). Ele pensou um pouco e confessou que "ultimamente estava tendo muitos sonhos ruins, perseguições, ameaças, lutas etc", porém também atribuiu à atual situação e à violência que estava por toda parte na cidade. Ele sentava atrás de uma magnífica mesa, com sua cadeira estilosa, encostada numa parede, e sobre a sua cabeça um escudo antigo, com um brasão medieval e duas espadas cruzadas com as pontas apontadas para baixo, em forma de tesoura sobre a sua cabeça: "Foi um presente de um cliente", disse orgulhoso.

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Só depois de muita explicação e pedidos insistentes, ele consentiu em tirar a "ameaça" sobre a sua cabeça. Perguntei a ele se ele conhecia a expressão, "vivo com uma espada sobre a minha cabeça"? Ou "cabeças vão rolar?" Ou ainda, "tremei ó inimigos diante da minha espada!". Espada é um símbolo antigo e poderoso de guerra, agressividade, ataque, e não combina com cabeça. Você não percebe, nem tem consciência, mas suas retinas, todos os dias captam as espadas e associam com ameaça, já que estão justamente sobre a sua cabeça, nas suas costas, onde não existem estruturas perceptivas (atacar pelas costas, apunhalar pelas costas etc).

Quando adiamos, por preguiça ou excesso de demandas, a reparação de algum item disfuncional, aquele tarefa vai ficar latejando como uma ameaça, pode gerar um medo sutil renitente. Imagine, o caso do meu cliente da piscina. Mesmo antes do susto no churrasco, sua mente deve ter produzido material de alerta e de medo (como subproduto) para que ele tomasse as providências. A cada dia sem cobrir a piscina, mas o material inconsciente engordava. Depois do susto, então, se ele adiar a providência de cobrir a piscina, mesmo se socorrendo das racionalizações ("sou um empresário superocupado, meu dia só tem 24 horas, tenho centenas de funcionários para cuidar etc"), os medos vão ficar "superobesos" e se manifestarão nas diversas formas de fantasmas e insegurança.

Janelas quebradas, lâmpadas queimadas, vigas muito pronunciadas sobre a cama do casal, espelhos que refletem ambientes vazios, sombrios, ou algum item disfuncional, camas com os pés em direção a porta ou com a cabeceira ladeando a parta do banheiro. Tudo isso pode gerar medo.

Existem os fatores universais, com símbolos que têm o mesmo teor e peso em qualquer lugar, existem os de puro verniz cultural, que valem para uma determinada cultura, mas não para outra e, aqueles que são de impacto subjetivo, como o andar alto para um e o baixo para o outro.

O importante é entender que nos relacionamos com tudo que existe na nossa casa (como também na nossa rua, no bairro etc.) de forma significativa. Não podemos banir todos os itens e símbolos que venham a nos provocar medo, mas podemos reduzir o seu número e impacto. O trabalho nesse sentido, é engrandecedor porque passa por trazer à consciência as razões de inquietações e medos que não sabemos a origem. Olhamos à nossa volta, verificamos se existem ali, na nossa casa, itens que nos remetem a medos universais ou que tem suas raízes na nossa infância.

Se estivermos alertas, reduzimos os fatores de risco, um tapete que quase nos derrubou uma vez (a gente imagina que se a vovó vier nos visitar talvez ela não tenha tanta sorte ou reflexo como tivemos). Reduzimos aquilo que está na sombra da nossa consciência, com isso ficamos mais alertas, ganhamos de brinde, uma mente mais aguçada, trazemos à vida mais exércitos de neurônios, prontinhos para a batalha.

Estar atento, manter o olhar vigilante mesmo no aconchego do lar, pode diminuir os medos, aumentar nossa acuidade mental, criar um pensamento mais eficaz e nos fazer melhor e mais fortes.