Ao compartilhar fatos do passado, idoso afirma sua identidade e sente-se valorizado

por Elisandra Vilella G. Sé

A história oral é um importante método biográfico que constrói o conhecimento das sociedades e tem íntima relação com a memória. Muito utilizada nas disciplinas de ciências humanas, implica uma posição política em relação à realidade social.

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O principal objetivo é construir versões sobre o passado que a memória permite elaborar; ativa o processo de recordação; conduz a pessoa a níveis sempre mais profundos de construção de relatos sobre suas experiências passadas; além de desenvolver ou estimular o espírito crítico e reflexivo sobre fatos históricos do passado.

Muitos idosos que se envolveram ou vivenciaram vários fatos históricos têm o prazer de propagar essas vivências contando as consequências desses fatos, sua riqueza de detalhes, o que esses fatos influenciam nos espaços sociais na atualidade.

A história oral também pode ser considerada uma técnica que tem o objetivo de construir versões sobre o passado contemplando as informações com dados obtidos contando também com outras informações relevantes, tais como fotos, acervos, materiais escritos que possam ser analisados.

Ativar a memória de idosos para recordar suas experiências passadas extraindo relatos, é um processo bastante profundo, que pode levar horas, mas quando os idosos são informantes excelentes com memória intacta, esses tornam-se informantes ideais, participantes valiosos no processo de coleta de dados, além de ser uma experiência benéfica psicológica e social.

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O acúmulo de experiências e informações levam as pessoas mais velhas ao destaque nas habilidades de interpretar o passado, a história, bem como analisar o presente sob a luz da experiência pregressa.

É muito importante que os idosos tenham essa oportunidade de compartilhar com seu meio social, seu grupo e novas gerações as informações e lembranças preciosas de que dispõem. Assim eles poderão afirmar sua identidade, e se sentirem valorizados. Com suas informações úteis, reconhecem-se como participantes da vida atual por meio da memória compartilhada.

É muito saudável para o idoso que seu status seja mantido de forma significativa, por meio da história oral, tanto no seu núcleo familiar como na sua comunidade. Para isso, é preciso valorizar as memórias que permitem tecer a história. Só assim as pessoas redescobrem a oportunidade de refletir fatos e acontecimentos sócio-históricos importantes e têm a oportunidade de refletir sobre aspectos de sua vida pessoal e atual.

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A arte de reconstruir o passado leva-nos a ressignificar a identidade, a experiência, o olhar sobre o passado, as transições da idade, o sentido existencial da vida e o próprio processo de desenvolvimento ao longo da vida, redefinindo as histórias e reorientando a personalidade.

É importante que esse entrelaçamento de relatos históricos, de memórias – de experiências passadas com as do presente -, o idoso tenha consciência de sua função social e se sinta recompensado por isso.

O prazer de recordar e trocar experiências, sentimentos e reminiscências devem estar aliados ao respeito às suas vivências e memórias.

*Ecléa Bosi em seu livro "Memória e Sociedade: Lembranças de velhos", obra precursora no Brasil dos trabalhos científicos que utilizam atos de lembrar, assinala que "Memória não é sonho, é trabalho", se trata de grande exercício. Portanto, memória compartilhada é tanto forma de reconstruir o tempo como o impulso para a ação.

Assim, podemos afirmar que o trabalho com a memória, a troca, o relato no qual os idosos têm o papel fundamental, não nos conduz a um passado sem relevância, mas para um aprendizado do enfrentamento dos problemas da vida contemporânea.

* Ecléa Bosi: professora emérita e titular do Departamento de Psicologia Social e do Trabalho no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo.