Autoexposição na web não deve fugir do seu controle

por Katty Zúñiga – psicóloga do NPPI

O brasileiro é o povo que mais gasta seu tempo em redes sociais no mundo.

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Do ponto de vista social, a internet pode ser comparada a uma enorme festa, um espaço aberto, acolhedor e descontraído, onde podemos demonstrar o quão “alegres nos sentimos”, “lindos somos”, “bem vestidos estamos” e “bem-sucedidos somos”. Uma festa onde tudo podemos, onde euforicamente conversamos e mostramos nossos sentimentos e desejos mais íntimos e até mesmo as nossas dores, faltas ou preconceitos mais arraigados. E a nossa intensa participação nas redes sociais, especialmente Facebook, Orkut e Twitter, são a expressão máxima desse fenômeno.

Nesse estado alterado da consciência, em que agimos como se estivéssemos sonhando com os olhos abertos, reduzimos nossas defesas e nosso senso crítico. Por isso, é impressionante a quantidade de ações que podemos executar na rede sem pensar muito nas consequências que tais atos podem nos causar. E além de se exporem de maneiras impensadas, as pessoas fazem isso com frequência cada vez maior.

Mas, por que que as pessoas se expõem dessa maneira?

Um dos motivos mais comuns é o desejo de cada um de se sentir importante, reconhecido, amado, querido e acolhido pelo outro. Do ponto de vista psicológico, o desejo é explicado como um querer, um impulso de alguém para obter algo, seja pessoas ou objetos. O desejo, portanto, nos impulsiona e nos motiva. Isso acontece no âmbito do ego, o componente da psique (mente) que busca equilíbrio entre nossas vontades e as limitações da realidade. Por seu intermédio o desejo aflora e se manifesta em formas que podem variar desde algo simples e controlável, até algo compulsivo e incontrolável. E o ego encontrou nas redes sociais um terreno fértil para testar esses limites.

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Esse exercício do desejo é o que nos permite encontrar, por exemplo, donas de casa recatadas que se revelam na rede como mulheres sedutoras, ou ainda executivos, que agem de maneira tão formal em seu ambiente profissional, mas que se mostram expansivos e descontraídos na WEB. A grande quantidade de conteúdo inusitado publicado por esses personagens são manifestações de seus diferentes desejos e fantasias.

Esse tipo de conteúdo absolutamente pessoal acaba encontrando acolhimento na rede de amigos da pessoa. O apoio dos amigos pode levar o internauta a postagens mais “perigosas”, como publicar suas próprias fotos usando pouca roupa, falar mal do seu chefe publicamente, expor situações comprometedoras do parceiro (principalmente quando foram traídos), só para citar alguns exemplos mais comuns. O apoio eventualmente recebido alimenta ainda mais o seu desejo e esse sentimento vai crescendo exponencialmente.

É importante deixar claro que não há problema, a priori, no fato de se postar fotos picantes ou outro tipo de ousadia. Mas essa escolha deve ser feita com critério e, principalmente, consciência dos riscos envolvidos, especialmente quando o público se torna maior e até mesmo desconhecido, como ocorre costumeiramente na internet. O problema passa a existir quando essa autoexposição foge do controle do internauta, ou seja, quando o ego “perde as rédeas” e o desejo de se expor começa a dirigir as escolhas e o próprio comportamento da pessoa.

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Ninguém precisa ser “santo”, mas deve-se pensar antes de contar para o mundo os nossos “segredinhos”, pois após serem expostos na internet torna-se muito difícil reverter esse processo. Muito mais do que se esses segredos fossem expostos a um grupo restrito de amigos fora da rede.

Além desses componentes psicológicos, há ainda um componente tecnológico e de mercado que facilita essa exposição compulsiva: os smartphones são cada vez mais populares. Eles permitem que as pessoas deem vazão a esses desejos no lugar onde estiverem e quando quiserem. Antes dos smartphones, era necessário um computador com acesso à internet, entrar na rede social para, só então, poder fazer seu post, o que muitas vezes acabava desestimulando essa tarefa, um pouco mais difícil de ser realizada.

Os smartphones permitem às pessoas exprimir seu desejo de maneira quase instantânea, o que ganha ares ainda mais automáticos, impensados e impulsivos. Quando o post é feito na hora em que o sentimento aflora, a sensação de importância associada aumenta.

Portanto, tudo depende da força do nosso ego. Os desejos, por si só, podem ser muito positivos. A dona de casa que se sente poderosa e sedutora e o executivo conseguindo relaxar podem estar adquirindo ferramentas excelentes para se tornarem pessoas melhores e mais completas. Desde que essa espécie de “treinamento virtual” seja realizada com critério. Sem o adequado controle do ego, a coisa se inverte, e o que poderia ser um ganho pessoal pode se tornar uma grande dor de cabeça. Assim, por mais que nossos amigos “curtam” ou “retuitem” as expressões dos nossos desejos, não podemos nos tornar escravos desses prazeres digitais.