Libido ou energia psíquica?

por Aurea Caetano

Jung utilizava estes dois termos, de forma intercambiável, para se referir à mesma ideia. Segundo ele “Energia psíquica é a intensidade de um processo psíquico, seu valor psicológico” (OC 6, par. 778).

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O livro “Símbolos de Transformação”, volume 4 de suas obras completas, foi inicialmente chamado de “Metarmofoses e Símbolos da Libido”. Neste trabalho Jung expõe de forma clara sua divergência em relação à forma como Fred compreendia a libido – apenas energia sexual.

Para Jung, a libido pode ser compreendida como energia vital e sexual é apenas uma das formas através da qual ela se manifesta – não a única. Esta proposta acelerou o processo de rompimento com Freud que via a libido como exclusivamente sexual.

Este conceito é fundamental para nosso trabalho em consultório ao nos lembrar sempre a necessidade de olhar para o que não está sendo expresso. Explico: somos muitas vezes tomados por uma emoção, um conteúdo, um problema e somos levados a acreditar que nosso olhar é correto e expressa toda a verdade.  Muitas vezes, nesses casos, o trabalho com nossos pacientes é discriminar o que está além disso e oferecer ao paciente uma outra possibilidade de olhar que possa complementar ou compensar a atitude consciente.

Somerset Maugham, autor inglês nascido no século XIX, em um conto chamado “Chuva” conta a estória de um pastor/missionário e sua mulher em viagem através do Pacífico. O navio em que viajam tem de fazer uma parada forçada em uma ilha e seus passageiros e tripulantes se abrigam em estalagens locais. Hospedada no mesmo lugar há uma mulher de riso fácil, atitudes ousadas, muito exuberante que recebe homens em seus aposentos – uma prostituta. O missionário, sério, determinado, de atitudes duras e contido em sua expressão rejeita o comportamento daquela mulher e decide a todo custo convertê-la.

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O autor narra um duelo entre duas fortes personalidades completamente opostas, somos convencidos ao longo do conto da vitória do missionário. Em um momento da narrativa ele diz: “É um verdadeiro renascimento; sua alma ela que era preta como a noite tinha se tornado pura e branca…” Passa o tempo todo então a orar com ela, regozijando-se daquela conversão.

O conto termina com o misterioso e surpreendente suicídio do missionário e a volta da mulher a suas antigas atitudes, seu anterior modo de funcionamento. Somos levados, a partir de uma fala dela a perceber o que havia ocorrido: o missionário tão rígido e puritano em seus propósitos havia sucumbido ao desejo inconsciente que nutria por ela e culpado colocara fim à sua vida.

Fosse o missionário nosso paciente, tentaríamos ver com ele qual o sentido de sua rigidez e unilateralidade; a serviço do que estaria toda sua puritana pregação. Ele provavelmente estaria negando de maneira severa aspectos instintivos, parte da natureza humana que ele como missionário religioso havia negado. Viajando pelas ilhas do pacífico, entrando em contato com funcionamentos mais liberais e permissivos, sua atitude foi se tornando cada vez mais unilateral e rígida a ponto de levá-lo a acreditar que o aspecto missionário de sua personalidade era sua verdadeira e única expressão.

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Em uma análise profunda nosso trabalho seria lembrá-lo sempre da possibilidade de existência de aspectos que não estavam sendo contemplados ou sequer imaginados em sua atitude inconsciente. O que este autor nos mostra é a força pungente da libido quando reprimida; ela invade o consciente com força tal que torna o ego quase um fantoche, levando a atitudes tão unilaterais quanto as anteriores.

Qual a saída? Trabalhar sempre no sentido de tentar reconhecer qual o caminho da energia, onde estará ela represada, e o que é necessário fazer para liberar seu fluxo permitindo que aspectos não considerados possam ser vistos. Trabalho para a vida!