Por que estudar música é um excelente exercício para a mente

por Elisandra Vilella G. Sé

Desde a idade média a palavra era mais importante que a melodia. Foi na Grécia antiga que se descobriu a influência da música no corpo humano. Aristóteles falava do verdadeiro valor médico da música e Platão receitava música para a cura das angústias. Ele afirmava "a música é o remédio da alma". Virtudes mágicas da música eram transmitidas aos instrumentos musicais. Sons produziam efeitos terapêuticos.

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A música é muito mais que um simples conjunto de sons que compõe uma melodia. Ela penetra nossa pele, provoca arrepios de prazer ou nos faz mergulhar em doces lembranças.

Os efeitos benéficos à saúde física e mental da música foram descobertos mais de 30.000 anos atrás. O reconhecimento de que a música poderia provocar comportamentos e emoções, levou ao uso da música para a prevenção e cura de enfermidades físicas e mentais.

O estudo da estrutura e do funcionamento do cérebro evoluiu muito nos últimos anos. Torna-se cada vez mais possível identificar as partes específicas do cérebro usadas para diferentes aspectos do pensamento e da emoção. Cada região cerebral contribui de forma específica para o funcionamento do sistema funcional como um todo.

Existem regiões no cérebro do ser humano compostas por células especializadas destinadas a memorizar somente sons com determinados ritmos, outras, são destinadas a memorizar diferentes timbres de som, ou então células que têm a função de armazenar somente a linha melódica de uma música e o conjunto desses grupos celulares, compõe a memória sonora.

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A área cerebral responsável pelo reconhecimento da música que ouvimos é a região ou córtex temporal do hemisfério direito do cérebro, assim como a execução das melodias e da prosódica musical. Melodia é a sucessão rítmica, ascendente ou descendente de sons, a intervalos diferentes e que encerram o sentido musical. Prosódia é o ajuste das palavras à música e vice-versa, a fim de que a sucessão de sílabas forte e fraca coincida com os tempos fortes e fracos dos compassos. O reconhecimento da música, portanto sua identificação, ou seja, sua percepção, constitui uma função cognitiva.

Também é função do córtex temporal direito executar a música cantando-a. O córtex temporal do hemisfério esquerdo é indispensável para a composição e escrita da música. No hemisfério esquerdo estão os centros da linguagem, que nos possibilitam a compreender a música.

A música e a linguagem têm algo muito em comum, ambas transmitem mensagens por meio de um sistema de signos que possui suas regras gramaticais. Na música também existem algumas regras como uma sequência de sons e de harmonias que devem se desenrolar. O aprendizado da música ou de um instrumento musical ajuda no desenvolvimento cognitivo, sobretudo nos aspectos semânticos e nos sistemas de memória. A música se configura numa forma de linguagem e pensamento.

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Em casos de lesões cerebrais, por traumatismo craniano, acidentes, doenças ou como nos casos de AVC (Acidente Vascular Cerebral) quando a pessoa mostra dificuldade em reconhecer músicas que conhecia antes, assim como cantá-las, a pessoa apresenta uma "amusia".

Por outro lado, a pessoa pode ser capaz de recitar a letra da música. Essas lesões celulares podem afetar somente a noção de ritmo da pessoa, perdendo a capacidade de memorizar e acompanhar ritmos, conservando, porém, o entendimento e a lembrança dos outros componentes que formam a música, por exemplo, a letra e a melodia.

Um nível elementar de conhecimento musical todos nós possuímos, devido aos processos de aprendizagem que ocorreram durante nosso desenvolvimento. O ser humano constrói-se e é construído, já em seus primórdios gestacionais, com o ritmo da respiração da mãe e as conversas e canções que o embalam.

Nossa memória sonora está interligada com a memória visual, a memória olfativa, tátil e a gustativa. A memorização da música envolve dois aspectos: o fisiológico e o psicológico. A facilidade de memorização musical difere de pessoa para pessoa.

Entretanto, pesquisas da área de neurociências comprovam que as pessoas, mesmo sem formação musical, são capazes de reconhecer um acorde, uma melodia inacabada ou variações sobre um tema tão bem quanto um músico profissional, o que comprova que a percepção da música é muito parecida, tanto no plano individual como entre diferentes ouvintes. Isso ocorre pelo simples aprendizado implícito.

A extraordinária capacidade do cérebro de interiorizar as estruturas complexas do ambiente de forma passiva, ou seja, a simples escuta (e não a prática) basta para tornar o cérebro "músico".

Estudo sobre a biologia do som realizados no Laboratório de Neuropsicologia da Música e da Cognição na Universidade de Montreal (Canadá), investigou as contribuições da música nas reações do indivíduo e revelou que a música produz, de fato, reações fisiológicas, cuja amplitude depende do conteúdo emocional.

Nas reações emocionais, o sistema nervoso central reage com aceleração dos batimentos cardíacos ou aumento da transpiração. O medo e a alegria suscitam uma forte reação na pele (de transpiração). Outros estudos mostram que a música exerce grande influência sobre o comportamento e ativa áreas cerebrais que participam do processamento das emoções.

Música, benefícios e emoções

Com relação aos efeitos benéficos da música nas emoções, no comportamento e nas funções cognitivas, quando utilizada, melhora o humor, o sono, a motivação, a autoconfiança, diminui a ansiedade, combate a tensão e a fadiga e elimina o estresse. Isso porque a música é capaz de ativar no cérebro os mesmos centros de recompensa que uma comida saborosa, droga ou sexo e reduz as concentrações dos hormônios do estress. No entanto, estilos musicais afetam as pessoas de formas diferentes.

Quanto às funções cognitivas, a música pode auxiliar na manutenção da memória, concentração, facilita a percepção auditiva, a atenção, a repetição, estimula a memória imediata, a memória implícita (semântica e declarativa), o raciocínio abstrato, a imaginação e a criatividade.
Música e envelhecimento

A música sempre acompanhou o envelhecer da humanidade, dando sentido aos movimentos e épocas, refletindo sentimentos. Por sua capacidade de transcender ao tempo, a música ultrapassa não só séculos e décadas, como também permeia as diferentes culturas e gerações inteiras, demonstrando as diferenças e semelhanças entre elas.

Onde quer que haja um povo, uma cultura existirá música. A velhice, como a música, pertence ao tempo. Um tempo que marca o corpo e constrói a memória, seja individual ou coletiva. As músicas de nossas vidas fazem parte dessa construção. Nós fazemos música para nos escutarmos nela.

A Musicoterapia na terceira idade se apresenta como uma terapia autoexpressiva de grande atuação nas funções cognitivas, isto é, para a manutenção das capacidades de memória, percepção, atenção, concentração e linguagem. A música atua como intermediadora na relação terapeuta-cliente, visando à melhoria da qualidade de vida, estimulando as ações físicas, sensório-perceptivas, psicológicas e sociais do indivíduo. Tendo o corpo como primeiro instrumento musical.

A utilização da música e seus elementos (som ritmo, melodia e harmonia) pelo musicoterapeuta em um processo estruturado para facilitar e promover a comunicação, o relacionamento, a aprendizagem, a mobilização, a expressão e a organização (física, emocional, mental, social e cognitiva) para desenvolver potenciais e/ou recuperar funções do indivíduo de forma que a pessoa possa alcançar melhor integração intra e interpessoal, bem-estar e melhor qualidade de vida.