Num momento muito difícil, o que o olhar de uma criança pode nos ensinar?

Olha vagalumes! As luzes que agora vagam suavemente em você! Agora!”

Hoje em dia e, em tempos de Pandemia, a vida se mostrou muito difícil para o pequeno produtor de verduras e legumes nas regiões rurais de São Paulo e, com certeza, em muitas outras regiões do Brasil.

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Os grandes produtores e os formuladores de políticas agrícolas, não têm olhos para esse personagem, para esse ser humano que, utilizado pelos atravessadores, é desrespeitado e desconsiderado como elo importante na cadeia produtiva do país e como um elo que assegura a sobrevivência de inúmeras famílias que dele dependem.

As macropolíticas influenciam as micropolíticas, para não dizer, políticas locais dos territórios municipais e regionais.

O agente público, o prefeito, a prefeita, os vereadores, vereadoras, deputados, deputadas, governadores, governadoras, a depender de seu perfil de vida, não têm olhos para essa realidade que está na base de seus pés, por onde caminham.

O produtor rural é aquele que garante o abastecimento dos mercados de alimentos. Mas, o atravessador dele tira o mínimo vergonhoso, por centenas de maços de verduras, para levar aos centros de venda e, nesses centros de venda, são triplicados valores e assim, lucros.

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Nesse mínimo vergonhoso valor pago de sua produção, não são reconhecidos os esforços do produtor, com as suas mãos rachadas, peles curtidas, pés rachados, empréstimos em bancos para pagar as suas máquinas de lavoura e aquisição de sementes. E, que ainda contam com a sua fé, quase que inquebrantável, para que a chuva ou a seca não acabem com a sua produção cuidadosa.

Hoje, os pequenos produtores se tornaram testemunhas mudas e emudecidas pela impotência, diante da vexatória e discriminatória relação antropofágica do mercado,  conduzida por intermediadores e pela omissão de gestores públicos.

Onde buscar alento?

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Estamos em um momento devastador causado pela pandemia da Covid-19 e, agora, as tardias eleições nos governos municipais, e esses produtores buscam alento em suas igrejas, e em nenhum outro lugar, por meio de preces e de cestas básicas.

No município, onde a vida acontece, todos se conhecem, eleitores e candidatos e assim, percebe-se descrenças e poucos alentos, sendo o voto, em muitos casos a continuidade de situações crônicas.

Assim, naquela noite, naquele telefonema que muito se alongou, o pequeno produtor desabafava comigo a sua lavoura toda perdida, a venda de seus equipamentos para pagar dívidas, e mergulhávamos nessa triste da realidade paulista e brasileira.

A sua voz, porém, ao telefone, se misturava aos sons de grilos e vozes de crianças. Até que de repente uma criança grita ao seu lado:

– Olha!  Vagalumes! Olha! Vagalumes!

Parei, imediatamente,  aquela toada triste e perguntei a ele: o que aconteceu?

Ele responde ser a sua netinha feliz com os vagalumes que lá passavam.

Nesse momento, rasguei um sorriso em minha face, e disse a ele:

– Estamos em um drama real, mas as crianças admiram os vagalumes, na  pureza de seus corações alheios aos problemas dos adultos, seus pais e avós que tudo fazem para seu sustento!

Olha! Vagalumes! Com as suas luzinhas verdinhas, em voos suaves e silenciosos… que somente olhos de criança e corações abertos enxergam e se contentam.

Que nossas vidas sejam como esses vagalumes, que promovem contentamento e embelezam a natureza de todas as coisas.

Que possamos tornar essas luzes em ações de resgate à dignidade humana no campo, mobilizando causas e condições para que esse quadro social se transforme. Sensibilizando gestores públicos, empresários, atravessadores, a pessoas dignas, por meio do resgate do respeito ao produtor rural e do seu insubstituível trabalho.

Agora, pare!

Feche seus olhos. Veja a mão do desconhecido produtor colocando a semente na terra.

Veja o sol, a chuva, a semente silenciosamente brotando em verduras e legumes. Sinta o cheiro da terra, ouça as vozes de contentamento da lavoura madura e a venda garantida, as dívidas pagas e mais produção na lavoura.

Agora, pare e sinta,  o sabor fresco da alface em sua boca, da maciez do suculento chuchu entre seus dentes e passeio da língua curiosa em saboreio, e observe o seu corpo em contentamento e saúde.

Reconheça e com gratidão curve-se aos desconhecidos produtores e produtoras e a todos os seus esforços. E, se deixe encantar com a voz das crianças chamadas sabedoria e compaixão em seu coração dizendo:

Olha! Vagalumes!

As luzes que agora vagam suavemente em você! Agora!

Monja Zen Budista da Tradição Soto Zen – Japão. Brasileira, discípula de Monja Coen Roshi.. Formação em pedagogia. Orienta práticas de zazen, meditação zen, e realiza cursos. Integra iniciativas de sensibilização e mobilização social por meio da meditação zen e diálogos temáticos a diversos públicos, tendo por base os ensinamentos de Xaquiamuni Buda. Atua desde 1983 como funcionária do Governo do Estado de São Paulo em capacitação a gestores públicos municipais bas diversas áreas das políticas públicas. Musicista, íntegra som e sopro, como expressão do “interser. ”