Por Ceres Araujo
Nos dias de hoje, graças aos ganhos marcantes da ciência e da tecnologia, os bebês são monitorados desde o inicio da gravidez, ao longo dela e desde a fertilização, no caso da fertilização assistida. Examinados, medidos, fotografados, filmados, o bebê ganha nome, apelido e faz parte da família cada vez mais precocemente. É como se o nascimento tivesse sido antecipado.
Nesse novo contexto, tem-se um ganho quase imensurável: os pais obtêm tranquilidade a respeito da normalidade do seu filho, o que permite levar a gravidez de forma feliz passo por passo. Porém, quando alguma anormalidade é descoberta ou suposta no bebê, choque, terror e estresse contínuo acompanham os pais. Sem dúvida, graças a hipóteses diagnósticas precoces as chances de viabilidade e de saúde do bebê, ainda dentro do útero tem se tornado cada vez maiores.
Nesse texto, o objetivo não é tratarmos dessa situação, acima citada. Vamos nos referir aos filhos que nascem bem, sem problemas detectáveis – o filho perfeito, lindo aos olhos de seus pais. Amado, protegido, contido, assegurado por carinhos, o bebê recebe o olhar "coruja" de seus pais e começa a perceber a voz, o toque, o olhar, o aroma de seus cuidadores, como um show de sons e de luzes, que o encanta, ao qual ele reage e que leva à criação das primeiras representações mentais. Nas relações interpessoais subsequentes, a criança continua desenvolvendo sua mente.
Mas, mesmo esse bebê que nasce bem, pode ao longo da sua infância apresentar problemas de ordens muito diferentes. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a prevalência dos distúrbios do desenvolvimento e dos transtornos mentais na infância e na adolescência situa-se entre 10% e 20%. Calcula-se que 17% das crianças entre zero e três anos apresentarão sintomas relacionados aos transtornos do desenvolvimento.
Em se tratando dos transtornos do desenvolvimento, sabe-se que quanto mais precoce for o diagnóstico, maiores serão as chances da criança para uma boa evolução. Entretanto, não só esse diagnóstico, necessariamente multidisciplinar, é complicado nos casos de crianças muito jovens, como também, muitas vezes, existe a dificuldade de dar o diagnóstico aos pais e dificuldade na aceitação do diagnóstico por eles.
Quando a criança é o primeiro filho, muitas vezes também o primeiro neto, não existem parâmetros de comparação, que permitem observar que a conduta da criança é diferente do esperado. Mas, mesmo com outros filhos, existe a dificuldade de ter objetividade na percepção dos filhos. O olhar "coruja" dos pais pode não permitir a objetividade. Será, não raro, a professora da Educação infantil que perceberá que a criança destoa dos demais. As professoras lidam com o padrão da normalidade dado pela classe e atendem a criança no dia a dia e, em geral, são as primeiras profissionais a alertar que algo não está bom e a sugerir atendimento médico, psicológico, fonoaudiológico etc.
Caberia também ao pediatra a percepção primeira de que o processo de desenvolvimento da criança está atrasado ou alterado, isto é, não está se fazendo dentro das expectativas. Mas, existe a tendência a dar mais um tempo, a esperar para ver se espontaneamente o ganho no desenvolvimento aparece, com a ideias de que cada um se desenvolve em tempos diversos. Porém, muitas vezes se espera demais. Essa tendência de esperar, se repete, com certa frequência, nos consultórios neurológicos, psicológicos, fonoaudiológicos etc.
Existe o receio de alguns profissionais de se dar um diagnóstico errado, mesmo de se levantar uma hipótese diagnóstica que não se concretize e, por isso, se espera. Às vezes se espera muito e isso traz consequências desastrosas para a criança que foi examinada, que se suspeitou de uma patologia e que não foi tratada precocemente.
Além do medo de um diagnóstico errado, há profissionais que têm receio de dar um veredito aos pais, sabendo do choque que a notícia da possibilidade de uma patologia no filho pode causar. Mesmo que os pais já tenham percebido que algo vai mal em algum processo de desenvolvimento do filho, a notícia é sempre catastrófica. Nenhuma mãe, nenhum pai está preparado para confrontar uma realidade desse tipo. É muito duro passar da visão do filho idealizado para a do filho que tem uma doença.
Ao choque, segue-se a negação que é caracterizada por não fazer nada ou por uma busca incessante de outros profissionais, na esperança de não se ter a confirmação do diagnóstico ou, ainda, algumas vezes pela busca de atendimentos chamados alternativos. Com isso, atrasa-se o atendimento da criança.
Assim, os motivos que acarretam um atraso no atendimento da criança com transtornos do desenvolvimento, ainda que compreensíveis, não devem ser mantidos.
Cabe aos profissionais, que são a primeira linha de atendimento à criança, terem a coragem para trabalhar com hipóteses diagnósticas e as tornarem compreensíveis aos pais. Hipóteses podem ser confirmadas ou não.
Caso uma hipótese diagnóstica seja confirmada posteriormente, a criança se beneficiou de um tratamento precoce, caso não seja, a criança recebeu uma estimulação maior, que não fará mal a ela.