Por Patrícia Duarte Rangel
Assim, muitas mulheres que pensam em se candidatar acabam desistindo, pois não possuem nem o apoio do partido nem apoio financeiro. Mesmo em partidos mais democráticos ou engajados, a capacidade das mulheres de acumular o “capital” resultante da dedicação à instituição parece ser negativamente afetada por condicionamentos de sua dinâmica familiar e profissional, que as coloca em desvantagem na consolidação de carreiras partidárias.
Mulheres são tradicionalmente encarregadas pelas tarefas domésticas e pelo cuidado com os filhos, o que implica o acúmulo de duas jornadas de trabalho (trabalho remunerado e trabalho doméstico/familiar) e torna mais difícil seu envolvimento com atividades partidárias. Com base em dados empíricos sobre perfil de parlamentares, a ONG CFEMEA mostrou que as poucas eleitas para cargos políticos possuem menos encargos domésticos, por conta de seu estado civil (divorciada/solteira) ou posição social (classe alta) e, sobretudo, por contarem com a assistência de outra mulher (trabalhadora doméstica, babá, cuidadora).
Outros estudos indicam mais fatores que prejudicam a atuação partidária das mulheres, a personalização da política partidária e o fato de que os gastos das campanhas eleitorais brasileiras estão entre os mais altos do mundo (o País gasta em média três vezes mais que os outros países latino-americanos em campanhas para cargos legislativos federais, e os recursos do Fundo Partidário não cobrem mais do que 10% do total das campanhas).
O tipo de financiamento majoritariamente individual, interagindo com as especificidades do sistema eleitoral de lista aberta, implica a competição entre candidatos de uma mesma legenda, desfavorecendo os que possuem menos recursos. E as mulheres brasileiras são mais empobrecidas que os homens, como demonstraram pesquisas do professor da USP Gustavo Venturi: 76% das brasileiras vivem em domicílios com renda mensal de até cinco salários mínimos (sendo 42% com até dois salários) e somente 8% passam dos dez salários.
Considerando que as mulheres negras recebem somente 41% do salário médio dos homens brancos no Brasil, pode-se imaginar que exista também uma problemática envolvendo raça e gênero. A marginalização política é transpassada por um sistema histórico de exclusão de ordem racial e econômica. Mulheres negras, portanto, enfrentam o dobro das já grandes dificuldades impostas às mulheres brancas para se elegerem.
Para mudar o cenário, é preciso um grande compromisso do eleitorado, da justiça eleitoral e, claro, dos partidos políticos.
Como o critério cor/etnia só foi incluído nas fichas de candidatura do TSE em 2014 (apesar de ser uma demanda dos movimentos negros e feminismos desde meados dos anos 2000), não temos dados oficiais sobre as eleições anteriores. Mas, naquela eleição, do total de eleitos para o Congresso Nacional, somente 2% eram mulheres negras. Quanto à legislatura anterior (2007-2010), o Relatório das Desigualdades Raciais 2007-2008 investigou a quantidade de parlamentares negros a partir da heteroclassificação e considerou que as mulheres negras correspondiam a aproximadamente 0,6% dos deputados eleitos.
Um número ínfimo, considerando que as negras representam 25% da população brasileira. Segundo o Censo de 2010 realizado pelo IBGE, 50,7% dos brasileiros (homens e mulheres) consideram-se negros, em contraste com 20% de deputados e 18,5% de senadores negros eleitos em 2014.
Esse breve olhar sobre números relativos à presença de mulheres e negros na política institucional permite dimensionar o acesso de indivíduos que compõem esses grupos sociais a assentos nas casas legislativas, identificando o racismo e o sexismo que estruturam as relações sociais no País e estabelecem o pano de fundo sobre o qual a participação política ocorre. Para mudar o cenário, é preciso um grande compromisso do eleitorado, da justiça eleitoral e, claro, dos partidos políticos. Se, a exemplo de 2014 e das eleições anteriores, eles lançarem candidatas fantasmas ou laranjas, só para preencher as vagas de candidaturas reservadas ao sexo minoritário, não teremos mais mulheres no poder em 2019.
Mulheres na política – “Náufragas em um oceano de machos” – clique aqui
Fonte: Patrícia Duarte Rangel faz pós-doutorado no Depto. de Sociologia da USP e é membro do grupo 50 Anos de Feminismo