É preciso ter a clareza que não enfrentaremos abismos para os quais não tenhamos asas. Todos os problemas, dificuldades, doenças, perdas e desafios são os abismos inescapáveis da vida.
Seria muito mais fácil se pudéssemos fazer mudanças sem mudar nada em nós mesmos, não seria?
Contudo, não dá pra mudar sem mudar. Mais que isso, não é possível habitar a realidade mutável em que vivemos, sem sofrer mudanças. Simplesmente é inevitável.
Imaginemos a mamãe águia com seus filhotes em um ninho, no topo de uma alta montanha. Cabe a ela a tarefa de empurrar, no tempo certo, seu pequeno filhote para o grande abismo. Parecerá cruel à pequenina águia, que resiste com todas as suas forças, ser empurrada pela própria mãe, para o pior dos seus pesadelos, a queda no abismo profundo.
A aguiazinha não deseja esse momento, ao contrário, teme-o a ponto a enfrentar a força de sua mãe e todas as forças do universo, que lhe conduzem ao seu destino de águia, para evitar esse primeiro salto.
Naturalmente não há energia suficiente para resistir a tão grande empenho. A queda é inevitável, o abismo existe, só restam duas alternativas, sucumbir ao pânico e, dessa forma, não encontrar as condições internas para superar esse desafio – por incrível que pareça, algumas aguiazinhas não conseguem, Darwin deu a isso o nome de seleção natural das espécies.
A outra possibilidade é superar o momento de pânico, aprender e encontrar, muito rapidamente, dentro de si, as condições para finalmente superar o abismo e voar.
Assim também ocorre com todos nós. A grande vida nos oferece sempre as condições básicas para a existência, porém sobreviver não é suficiente. Em algum momento seremos empurrados ao abismo para a queda inevitável.
Compreendendo a lição da aguiazinha temos a alternativa de sucumbir e, portanto, fracassar – algumas vezes não damos conta, é verdade, e aí a queda mata nosso espírito e aleija nossa vontade, nos tornamos depressivos, negativos, pessimistas e rancorosos com a vida. Mesmo nesse estado a grande vida não desistirá de nós e nos empurrará para novos e desafiadores abismos.
Treinando no abismo
Entretanto, podemos eleger outra alternativa, vencer a barreira do pânico, olhar pra dentro, enxergar os potenciais ocultos, desdobrar asas e voar. É preciso ter a clareza que não enfrentaremos abismos para os quais não tenhamos asas. Todos os problemas, dificuldades, doenças, perdas e desafios são os abismos inescapáveis da vida. Não temos como evitar, resistir ou controlar, contudo, o abismo só existe para que nossas asas apareçam.
O que é, aparentemente, um grande problema ou uma grande dor é, de fato, o abismo onde a consciência pode mergulhar e descobrir mais de si mesma, da realidade ao redor e das oportunidades presentes na vida.
Se não é nada fácil experimentarmos esses momentos abissais, é preciso ter em conta que se não é possível eliminar o abismo, nem evitar ser empurrado em direção a ele, o que nos resta como boa alternativa é desfrutar da queda.
Reflita sobre isso. Suerte!