por Grupo de Aprimoramento Junguiano sobre Questões Amorosas – Clínica Psicológica PUC/SP
Esta pergunta foi encaminhada a nosso grupo como sugestão de tema para a nossa coluna. Há muitos níveis de resposta possíveis.Por isso, optamos por elaborar três artigos que contemplassem os diferentes aspectos.O primeiro artigo a seguir tenta responder a quem passou pela experiência de ser traído. No segundo artigo abordaremos os sentidos da traição e, por último, discutiremos o tema sob um aspecto mais amplo, incluindo a traição a si mesmo.
Quando se é traído a vida nos dá algumas escolhas de como vivenciar esse sentimento. Podemos ficar amargurados e não acreditar mais em nosso caminho. Perdemos, assim, a confiança no destino e em nós mesmos. Aprendemos a ser gelados. Isto tudo para não sofrer, pois dói demais. Se escolhemos encarar o sofrimento desta forma podemos começar a acreditar que nenhum relacionamento vale a pena, e só estaremos seguros deste sentimento aterrorizante se desistirmos de qualquer tipo de entrega.
Encarando a traição dessa maneira, olhamos para o traidor e enxergamos nele só seus aspectos negativos, que não eram vistos durante o relacionamento. Ou até eram, mas não com esse grau de clareza e importância. Provavelmente, quando tudo andava bem, negava-se estes aspectos mais humanos do outro como se ele não tivesse falhas. Desse modo criamos, até inconscientemente, defesas contra a tristeza que nos ataca, deixando de entrar em contato com tudo que realmente está se passando em nosso interior.
O outro sempre nos trai, de alguma forma, e não necessariamente ficando com outra pessoa. Ele nos trai pela simples razão de ser outro, diferente daquilo que gostaríamos que ele fosse. Sua singularidade, suas diferenças, nos assustam, nos deixam inseguros, pois nosso sonho é de ter alguém que se comporte como achamos que seria o melhor para nós e que nos poupasse da assustadora constatação de que o outro não existe para satisfazer nossos desejos. Cada um só está tentando se salvar e fazer o melhor que pode com sua vida. Esta é uma responsabilidade que não se pode delegar.
Sentir tudo isso em relação a uma pessoa que já foi tão amada não é nada agradável, pois só existe a possibilidade da traição onde um dia houve confiança. Quando se está bem com o parceiro/amigo/grupo, existem momentos onde são divididas grandes intimidades; verdadeiras pérolas que o outro resolveu dividir com você. Mas quando vem a decepção essas pérolas viram pó. Então começa-se a evitar experiências como essa e com isso nos distanciamos de nós mesmos, pois foi sendo quem somos que chegamos ao sofrimento. Por covardia perdemos contato com valores e crenças que faziam parte das nossas vidas, tudo isso para não sofrer. Abrimos mão de nossa inocência e espontaneidade para não sentir angústia, medo, ansiedade e tristeza. Outra forma de fugirmos de quem somos é optarmos pela vingança. Esse caminho só leva a animosidades e retira o foco do que se está passando internamente para o traído.
Diante da dor de se sentir traído, ajuda compreender exatamente aonde dói. A vaidade ferida, o que os outros vão pensar, o sentimento de que não fomos bons o suficiente…Convém lembrar que há um acúmulo de sofrimento vindo do peso social colocado sobre a fidelidade, como prova de amor. Às vezes, não é a falta de amor que leva à traição, mas seu excesso. Na busca de não se sentir tão vulnerável diante do ser amado, muitos procuram outra pessoa como afirmação para seu valor. Enfim, a relação pode sobreviver a uma traição, desde que o par se empenhe em compreender as razões e o sentido da experiência vivida. Nem sempre isto é possível. Pode ser que a traição seja a última gota para se perceber que aquela relação se esgotou.
O caminho de entrar em contato com esses sentimentos não é o mais fácil, provavelmente é até o mais difícil. Não é agradável vivenciar tudo isso, mas faz parte da vida. Vivemos em uma sociedade que cobra que estejamos felizes o tempo todo e quando há algum tipo de tristeza prescreve-se logo um anti-depressivo. Com isso, fecham-se portas do autoconhecimento que mais para frente poderiam nos levar à redenção, e nos tornar seres humanos melhores, mais conscientes e mais preparados para lidar com os lados menos agradáveis da vida. Como disse Fernado Sabino em seu livro O encontro marcado: "De tudo ficaram três coisas: a certeza de que ele estava sempre começando, a certeza de que era preciso continuar e a certeza de que seria interrompido antes de terminar. Fazer da interrupção um caminho novo. Fazer da queda um passo de dança, do medo uma escada, do sono uma ponte, da procura um encontro."
Gostaríamos de dizer a nossos leitores que diante do alto número de e-mails que recebemos, estamos lendo todos, mas as respostas nem sempre serão individuais. Podemos responder agrupando por temas afins ou mesmo usar as dúvidas como futuros temas para nossa coluna. Agradecemos a todos que dialogaram conosco e esperamos que essa troca se mantenha.
Autores: Carla Regino, Fernanda Menin, Helena Girardo de Brito, João Paiva, Lilian Loureiro, Luiz André Martins, Mariana Leite, Marina Winkler, Priscila Parro e Thiago Pimenta – sob a coordenação da profa. Dra.Noely Montes Moraes