Por Edson Toledo
Já estive em Brumadinho/MG. Trata-se de uma cidade com 38 mil habitantes, apenas 60 quilômetros de Belo Horizonte. Lá estive para conhecer o Instituto Inhotim, que é a sede de um dos mais importantes acervos de arte contemporânea do Brasil e é considerado o maior museu a céu aberto do mundo, uma referência.
Lá também ficava a Mina do Feijão com sua barragem, que por motivos a serem esclarecidos, rompeu-se e inundou tudo à sua frente: um mar de lama que continua a causar danos às pessoas, animais, meio ambiente…
Inhotim mobiliza emoções como felicidade, empolgação, amor, gratidão, confiança, interesse. Já a Mina do Feijão, e a tragédia causada pelo rompimento da barragem, tem despertado sentimentos como raiva, desesperança, desalento, desamparo, abandono…
Para aqueles que como eu, têm acompanhado os constantes boletins midiáticos, predomina o choque e a consternação diante da morte de mais de uma centena de pessoas. Sem contar a indignação, a espera que os culpados por tamanha negligência sejam responsabilizados judicialmente. Por enquanto predominam a tristeza, compaixão e dor. Com o tempo, estes sentimentos devem se transformar em um certo incômodo e uma triste lembrança de um fato que não deveria ter ocorrido.
O foco então recairá nos familiares das vítimas e em todos os envolvidos no salvamento de vidas e animais. Um evento que desencadeia emoções tão intensas, pode configurar-se como uma situação traumática, podendo causar consequências devastadoras na estrutura psíquica dos envolvidos seja direta e indiretamente.
Psicologia e trauma
Em Psicologia, consideramos que o trauma não é o evento em si, mas sim a resposta de cada indivíduo especificamente em relação ao acontecimento. Percebemos que em situações-limite, há pessoas que se fragilizam mais, enquanto outras demonstram mais resistência. Quando uma pessoa se torna sobrecarregada cronicamente diante de uma situação, podemos dizer que se trata de um trauma.
Uma crise nas proporções do rompimento da barragem da Mina do Feijão, pode provocar inúmeras reações nas pessoas que a vivenciaram. Não é raro ocorrer uma desestruturação psíquica, em que o indivíduo perde o contato com a realidade, após ativar seu sistema de fuga na tentativa de sobreviver.
Outro aspecto relevante é o fato de que a pessoa tende a vivenciar continuamente as cenas do episódio do desastre, tanto acordada como durante sonhos e pesadelos. Outra consequência possível é o desenvolvimento de um quadro de dor crônica a partir da vivência de um trauma.
Algumas pessoas (salvo todas) precisam de suporte psicológico e ou tratamento psiquiátrico até muito tempo depois de ocorrida a situação traumática. Inclusive quando o trauma se arrasta por um longo período na vida da pessoa e o evento traumático é persistentemente, vivido através de recordações aflitivas, seja por imagens, pensamentos ou percepções; agir como se o evento traumático tivesse novamente ocorrido por um período superior a um mês. Diante destas condições pensamos em uma possível hipótese tratar-se do Transtorno do Estresse Pós-Traumático (TEPT), que, segundo o DSM-5 (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, 5ª edição), configura-se como o desenvolvimento de sintomas característicos após a exposição a um extremo estressor traumático, envolvendo respostas de intenso medo, impotência ou horror e com sofrimento e prejuízo do funcionamento ocupacional e social.
Outro aspecto que deve ser foco de intervenção, é a situação não só dos parentes, mas de amigos próximos, colegas de trabalho das vítimas. Lidar com a perda de pessoas queridas, em uma situação tão dramática e tão carregada de emoção não é nada fácil. É importante que todos os parentes e amigos das vítimas fatais possam chorar e manifestar suas emoções a fim de melhor elaborar o luto.
Nesse processo não podemos deixar de lado os traumas dos próprios profissionais, cuidadores e voluntários, que no caso de Brumadinho, eram até parentes das próprias vítimas, que podem se sentir sobrecarregados ou impotentes.
Não faltam relatos de sobreviventes sobre o seu estado psíquico, como o de um homem há quase sete dias sem dormir. Ele conta que não quer falar sobre o ocorrido. Já sua esposa, cabisbaixa (na entrevista), e com a fala lenta, diz que agora tem que ser forte em dobro, não só por ela, mas também pelo marido. “Ele não consegue nem conversar com a gente direito, dá desespero o choro dele, perdeu muitos amigos. Mexe com a mente da gente demais da conta”.
Diante de tantos aspectos emocionais envolvidos, torna-se fundamental a atuação de psicólogos. Aliás, há um campo de atuação psicológico em forte crescimento, que se destina especificamente ao atendimento em catástrofes. Um número cada vez maior de profissionais vem se especializando nessa área, que comporta aspectos terapêuticos e preventivos.
Reflexões sobre a morte
Oscar Niemayer, que viveu 104 anos, (1907-2012), disse certa vez que “a vida é um sopro”. A certeza de que desde o nosso nascimento estamos destinados a morrer, nos faz remeter ao filósofo Martin Heidegger (1889-1976). Ele afirmou que o ser humano é um “ser-para-a-morte”.
A sabedoria popular também apregoa que a “morte é nossa única certeza na vida”. Poucos, porém, conseguem ter uma consciência clara de que um dia não existirão mais… ou como disse um dos sobreviventes: “Meia hora antes estava rindo com amigos. Fico pensando como tudo mudou tão rápido”.
O filósofo Jean Paul Sartre (1905-1980) considerou que a morte tem um caráter absurdo, o absurdo total, que é a não mais existência.
Quando se trata da morte de mais de uma centena de pessoas, a compreensão torna-se ainda mais difícil. O caráter absurdo descrito por Sartre, se escancara à nossa frente sem nenhum filtro.
Por fim, retorno ao início, quando nós pensávamos em Brumadinho, vinha o onírico Inhotim, e sua visão de equilíbrio e contemplação. Agora, teremos uma variedade de sentimentos para expressarmos diante de tal tragédia, que ainda não findou.