por Alex Botsaris
Recentemente uma forma alternativa de tratamento, auto-hemoterapia, entrou em evidência na mídia, gerando muita discussão. Um médico carioca declara, em vídeo, que ela é um tratamento com aplicação em várias doenças. O Conselho Federal de Medicina declarou essa técnica sem fundamento cientifico, proibindo os médicos de indicarem ou aplicarem a técnica sob risco de serem processados pelo CFM. O Conselho Federal de Enfermagem também não recomenda enfermeiros a aplicá-la, segundo informa o site do Conselho, "Trata-se de um tratamento médico para o qual não há consenso técnico e científico e nem aprovação dos conselhos profissionais da área saúde, em relação aos seus possíveis efeitos benéficos".
O presidente da Sociedade Brasileira de Hematologia (SBHH) e Hemoterapia colocou um comunicado na internet condenando veementemente a auto-hemoterapia, e afirmando categoricamente que não existem trabalhos científicos publicados sobre essa terapia e que ela não tem qualquer validade.
É preciso fazer uma avaliação equilibrada sobre a auto-hemoterapia. O CFM tem razão em classificá-la como terapêutica ainda não aprovada pela comunidade médica, e que necessita mais estudos para ter sua aplicação validada. Mas não é verdade que essa terapêutica não tenha nenhum fundamento, nem que não haja nenhum trabalho publicado sobre ela na lliteratura mundial ou nacional, como afirma a SBHH. Na base de dados pubmed, do NIH (Instutito Nacional de Saúde americano), considerada a maior base de dados médicos do mundo, existem cerca de 106 estudos científicos publicados sobre auto-hemoterapia, a maioria sendo clínicos. É um numero modesto, mas mostra que alguma pesquisa já foi realizada. Um estudo, inclusive, foi realizado no Brasil. Nele vacas com um tipo de infecção na pele chamada de ectima receberam auto-hemoterapia ou um antisséptico a base de iodo (tratamento convencional) no final de uma semana 26% das vacas que receberam auto-hemoterapia tinham melhorado contra 8% das que receberam tratamento convencional (uma diferença que é significativa do ponto de vista estatístico). Nenhum efeito colateral ou agravamento foi descrito nesse estudo.
A auto-hemoterapia surgiu na França, em 1911, introduzida pelo médico Francois Ravout como proposta para tratar febre tifóide. Em 1938, numa tentativa de encontrar um tratamento eficaz para infecção ela voltou a ser empregada. Nessa época os antibióticos ainda não estavam disponíveis, e isso levou o médico francês Gaston de Lyon a propor injetar sangue da própria pessoa no membro afetado para evitar amputação.
Nessa época já se sabia que o sangue possuía capacidade de curar infecções e a tentativa era aumentar a quantidade de sangue para defender o organismo, injetando-o na região comprometida. O tratamento gerou alguns resultados, motivo pelo qual se popularizou na Europa até a década de 50. Depois, foi perdendo o seu apelo, com a introdução de novas drogas antimicrobianas.
Ainda assim a auto-hemoterapia manteve-se viva em alguns nichos de uso, na Europa, porque autores descreveram resultados promissores no tratamento de angiopatia diabética, um tipo de entupimento do vasos do diabetes, que em geral leva a amputação dos pés. Nesse tipo de auto-hemoperapia o sangue retirado era exposto ao ozônio antes de ser reinjetado na região afetada. Autores relatam que isso causava uma forte dilatação local dos vasos e com isso a amputação era evitada. Entretanto, nem todos trabalhos clínicos controlados, relataram resultados significativos para angiopatia diabética, restando ainda algumas dúvidas sobre a validade da auto-hemoterapia nessa condição.
A outra área onde se propõe a auto-hemoterapia é no campo da modulação da imunidade, seja para o tratamento de infecções ou em doenças autoimunes. No México, por exemplo o médico Jorge Gómez Ramirez, um entusiasta do método tem proposto seu emprego em doenças autoimunes, e conta com o apoio da Sociedade Mexicana para o Diagnóstico e Tratamento das Doenças autoimunes para realizar várias séries clínicas naquele país. Um estudo clinico feito pelo Dr Olwin do Hospital Presbiteriano de St. Luke, reportou uma melhora significativa em portadores de herpes zoster, uma doença que causa seqüelas e ainda não tem tratamento satisfatório. Nesse trabalho os resultados formam extremamente significativos, com 100% de ausência de seqüelas com evolução mais branda nos 20 pacientes do grupo tratado, contra uma incidência regular de dor e evolução arrastada no grupo placebo.
Segundo o Dr Luis Moura, que divulga o método no Brasil, e aplicou-o com bons resultados na Casa de Saúde São José no Rio de Janeiro entre os anos de 1943 e 1947, quando a maioria das drogas antimicrobianas ainda não estavam disponíveis. Segundo o Dr Moura nessa época foi constatado uma elevação dos macrófagos (um tipo de glóbulo branco que tem grande capacidade de englobar e destruir bactérias) de 5% em média para uma faixa de 10 a 15% no sangue periférico. O Dr. Moura atribui isso ao um estímulo do chamado sistema retículo endotelial, um conjunto de órgãos como baço, timo e medula óssea que são a base do sistema imunológico. Ainda segundo o Dr. Moura, isso ocorre porque quando o sangue é injetado diretamente no músculo e isso faz as células musculares liberarem substâncias que atuam como mediadores do sistema imune, estimulando a sua resposta.
Por fim o Dr. Moura faz uma revelação interessante. Que o famoso cirurgião de tórax Jesse Teixeira usava esse método em segredo nos pacientes que ia operar, e com isso manteve um índice de infecção baixíssimo no pós-operatório, próximo de zero. Considerando que o Dr. Jesse Teixeira operava muitas vezes pacientes com problemas no mediastino, o tipo de cirurgia que possui o maior índice de infecção no pós-operatório, essa informação vale ser confirmada.
Enquanto não se descobre mais sobre os potenciais da auto-hemoterapia, é preciso saber que esse método só deve ser empregado dentro de protocolos clínicos aprovados pelo Conselho Nacional de Saúde, considerando que é um tratamento ainda no nível experimental. Também não é recomendável que pessoas com os problemas mais diversos como gota, enxaqueca, colesterol alto e problemas degenerativos, que nem tem indicação dessa terapia tenham consciência que não se trata de uma panacéia para todos os males e que há necessidade de critérios para sua indicação.
Por outro lado o que se espera da academia, da comunidade médica e dos órgãos de regulamentação da medicina, e que todos se esforcem no sentido de descobrir os potenciais desse tratamento. Afinal, como afirma o médico Luis Moura ele é simples, barato e tem potencial para tratar muitas doenças cujo tratamento é caro e com drogas que possuem efeitos adversos importantes.
Atenção! Esse texto e esta coluna não substituem uma consulta ou acompanhamento de um médico e não se caracterizam como sendo um atendimento.