por Silvia Maria de Carvalho
"Desde quando minha cachorrinha morreu há três meses, não consigo ter paz. Tenho um enorme sentimento de culpa, pois sinto não ter feito mais para evitar a sua morte. Ela morreu de doença de carrapato e depois disso estou sofrendo muito. Esse sentimento de culpa não me deixa ser feliz. Peço que me ajude com algum conselho. Desde já lhe agradeço."
Resposta: A morte é algo natural, universal e inevitável. Contudo, nunca estamos totalmente preparados para enfrentar a finitude da vida.
Qual a preparação para a despedida definitiva e rompimento total de nossos vínculos mais intensos?
Sem negociação, nem segunda chance, a morte está associada aos momentos de maior dor e confusão emocional que um ser humano pode experimentar: tristeza, sofrimento e impotência. Tendemos a fugir desses sentimentos até o dia que não podemos mais evitar.
Passamos a vida achando que temos certo controle sobre tudo que nos cerca (sensação de falsa segurança que dificilmente abandonamos). O que sabíamos pela teoria, inunda nosso ser e nos devasta. Somos pegos de surpresa: a morte aparece pra nós. Temos de vivê-la, não há como fugir. A dura lição: não controlamos tudo.
O luto é um conjunto de reações normais a uma perda significativa na vida, que pode ocorrer pela morte ou separação do outro. Segundo o psicólogo John Bowlby (1907-1990), quanto maior o apego ao objeto perdido (pessoa, animal de estimação, determinada fase da vida,…) maior o sofrimento do luto.
Todavia, nunca fica totalmente claro com exatidão o que foi perdido. Em todo luto há perdas secundárias. Um complexo campo envolvido: os passeios, os hábitos, a vida em comum. A relação é desfeita: e com isso, uma parte de nós fica à deriva: aquilo que éramos quando tínhamos o outro. Não somos mais os mesmos. Nunca seremos. Precisamos de um tempo para a reorganização.
Animais de estimação
Quantos de nós temos o animal de estimação como “alguém” da família e sentimos a dor dessa perda da mesma maneira?
Mas há sim algo diferente: o luto por perda de animais de estimação para nossa sociedade não tem a mesma importância. Parece “bobagem”. Os psicólogos que trabalham com a morte chamam de “luto não autorizado”. Quando a perda que sofremos está de acordo com as normas sociais, o luto individual é amparado, o que facilita seu processo. Quando isso não acontece, ou seja, a sociedade não legitima e nem reconhece o luto, podemos ter dificuldades na sua expressão, que pode ser ignorada ou reprimida. As reações de estresse, culpa e raiva podem se intensificar.
Quantas vezes você já não ouviu: "Era apenas um cão, você pode comprar outro!". Na verdade, só você sabe o que seu animal significava pra você. Respeite sua dor.
Culpa
A culpa ainda te atormenta e dá aquela sensação de que você poderia ter feito diferente ou não ter feito. Poderia ter ficado mais um minuto acordada e, se soubesse do trágico final, evitá-lo. Não podemos evitar. Seria como poder tudo.
Quando as coisas não acontecem conforme gostaríamos, é muito tentadora a ideia de que, se tivéssemos feito de outro modo, a história teria outro final. Devemos aceitar que o mundo anda sem nós. Tem seu próprio curso.
Diz o rabino Harold Kushiner, no livro: Quando coisas ruins acontecem às pessoas boas: “A consciência de nossas incapacidades e falhas, o reconhecimento de que poderíamos ter sido melhores do que fomos, são forças que favorecem o desenvolvimento moral. O sentimento oportuno de culpa faz com que as pessoas se esforcem pra melhorar. Porém, quando excessivo, tendemos a nos censurar por coisas que claramente não dependem de nós”
Sentir raiva de nós mesmos por aquilo que teríamos que prever, duplica a dor. Sentir raiva da situação e reconhecê-la como algo duro e injusto, significa colocar as coisas no lugar, se dar colo e se deixar ajudar. Não se torture com o que poderia ter sido. Aceite o que foi. Há a hora de chegar e a hora de partir. Muitas das coisas que nos acontecem não têm relação direta com o que fizemos ou deixamos de fazer. Há variáveis que não podemos controlar. Aceite-se humana e imperfeita.
E veja que há também força e vida na morte. E recomeço. Assim como os ossos quebrados podem se tornar mais fortes do que os “saudáveis”; a experiência da perda pode fortalecer os que até então estiveram protegidos dela. É o preço que pagamos pelo compromisso, pelo amor.
Pensamentos
“É uma ideia que sempre nos acode diante do que já não tem remédio, perguntar aos outros como foi, desesperada e inútil maneira de distrair o momento em que iremos ter de aceitar a verdade; é isso, queremos saber como foi e é como se pudéssemos ainda pôr no lugar da morte, a vida; no lugar do que foi, o que poderia ter sido.” Saramago “Sofro por ter amado um mortal, como se ele não fosse morrer”
Santo Agostinho