por Renato Miranda
No último texto (veja aqui), escrevi sobre a possibilidade da compreensão do fenômeno do flow-feeling (sentimento de fluir ou fluxo), através das dimensões especiais desse incrível estado mental.
Estado este que justifica o porquê do ser humano dedicar-se e desenvolver determinadas atividades (experiências!) com alto grau de motivação, concentração e eficácia, mesmo considerando por vezes "pagar um alto preço" (sacrifícios pessoais) para vivenciar tais experiências como: alto esforço físico e mental, tempo despendido, desgaste pessoal, social e outros.
A primeira dimensão, como nós analisamos em texto anterior, é a fusão entre a ação e a atenção. Ou seja, a tarefa a ser realizada não é percebida como algo separado daquilo que a mente criou como imagem mental. A ação do atleta (ou da pessoa) é algo como se fosse um "prolongamento" ou "parte" de seu corpo.
A segunda dimensão especial é:
Perda da noção de tempo
O que significa perder a noção do tempo? Para responder esta pergunta, gosto de reunir minhas experiências, ao escutar atletas e lembrar de minhas vivências como atleta amador, com as descobertas de Susan Jackson e Mihaly Csikszentmihalyi (estudiosos no assunto):
Quando o atleta flui, o tempo tal como é medido de modo absoluto pelo relógio ou cronômetro tem pouco significado. Isso quer dizer que quando a pessoa está fluindo tem o corpo e movimentos sob seu controle absoluto e tempo e espaço tomam diferentes dimensões. Ainda pode-se dizer que a pessoa tem a percepção modificada de modo como o tempo passa: o que importa é o ritmo ditado pela atividade.
Em fluidez, um atleta em uma prova longa de atletismo, maratona, por exemplo, pode percebê-la muito rápida. É como se as horas passassem como minutos e os minutos como segundos.
Por outro lado, a percepção do tempo pode ser oposta, ou seja, em uma atividade muito veloz a percepção é de que o tempo se dá lentamente. Por exemplo, ao fluir um atleta de futebol em um drible seguido de um chute muito rápido, percebe todos os movimentos velozes como se a cena estivesse acontecendo em câmera lenta e possivelmente por isso, ele consegue observar os detalhes da jogada com precisão e em consequência finaliza com extrema precisão.
No estado de fluidez a percepção é a de que o tempo se transforma em função da concentração totalmente absorta na execução da tarefa (pense nos atletas e artistas de altos desempenhos). Ter tempo para pensar naquilo que tem de ser feito precisamente, mesmo em atividades muito rápidas (exemplo, corrida de 100 metros rasos no atletismo) é um dos modos com que os atletas descrevem tal percepção alterada do tempo.
Em resumo a perda do sentido real do tempo pode ser verificada quando a pessoa (todos nós!) flui profundamente, tem concentração total e fica completamente absorvida por aquilo que está sendo feito ou acontecendo, e há uma percepção clara de que o tempo passa em um ritmo diferente.
Observe que esse fenômeno acontece em várias atividades da vida do ser humano. Não é algo restrito aos profissionais do esporte e das artes, por exemplo. Você já deve ter presenciado crianças brincando por horas e sequer as mesmas lembram de beber água ou de se alimentar. Quando isso ocorre, possivelmente estão fluindo. Para elas a brincadeira durou muito pouco tempo!
Perceba que em qualquer circunstância ou experiência possíveis de se exercitar a criatividade, a concentração, as habilidades harmonizadas com os desafios da tarefa, a espontaneidade e motivação intrínseca (inconsciente), há um cenário favorável para a vivência do fluir.
Se avaliarmos como vivemos sob a pressão do tempo, seja em função do comprometimento com os prazos das tarefas rotineiras ou em nossa permanente expectativa de que algo aconteça como resultado dos nossos esforços ou das obrigações diárias, chega-se a conclusão que o tempo é uma carga que nos impede de ficarmos totalmente absortos (concentração absoluta) naquilo que estamos fazendo. Ao fluir ficamos livres dessa pressão e conseguimos usufruir o que nós temos de melhor: habilidades advindas de nosso talento!
No esporte ou como em atividades e profissões variadas, a qualidade da rotina, com exigências compatíveis com as habilidades e as possibilidades reais de desenvolvimento constante, formam a estrutura básica para que a percepção da passagem do tempo não seja algo convencionalmente medido, mas percebido pelo usufruto da atividade; com satisfação e alegria, mesmo que a experiência exija grandes esforços.
Por fim, quando você viver um momento em que o tempo não significa exatamente o que o mesmo representa, e noutro sentido ele é transformado em experiência gratificante, você poderá estar diante de uma experiência libertadora!