por Luís César Ebraico
Nossa experiência do mundo tem elementos verbais e não verbais. Quando esses elementos estão simultaneamente presentes, estamos "conscientes", ou melhor, "co-cientes". Na língua italiana isso fica particularmente claro: a palavra "coscienza" (= consciência) agrega o prefixo "co" (= contigüidade, simultaneidade, companhia, correlação, complemento) ao radical "scienza" (= ciência). Todos nós já passamos por episódios como o seguinte:
FULANO: – Você está esquisito hoje!
BELTRANO: – É, eu sei. Estou sentindo uma coisa estranha dentro de mim (= ciência), mas não sei o que é… Já sei, É RAIVA (= cociência, em nossa língua, co/ns/ciência)!!! Estou com raiva de blá, blá, blá, blá, blá, blá… (= refinamento da co/ns/ciência)
Isso nos permite entender melhor que o INCONSCIENTE de que fala Freud não corresponde a uma INCIÊNCIA (in + ciência) – uma falta de ciência – mas, sim, à FALTA DE uma DUPLA CIÊNCIA, ou seja, a uma IN-CO-CIÊNCIA, que nosso vernáculo chama de "inco(ns)ciência". Não me parece haver nada que possa ilustrá-lo de forma mais cristalina do que o seguinte tipo de experimento hipnótico:
Júlio hipnotiza Rosana em um aposento em que se encontram outras cinco pessoas e lhe ordena que, quando voltar ao estado de vigília, NÃO VEJA PEDRO, uma dessas outras pessoas, esquecendo, outrossim, que essa ordem lhe está sendo dada. Saída Rosana do estado hipnótico, Júlio lhe pergunta quem são as pessoas que estão ali. Rosana acusa a presença de todos, MENOS A DE PEDRO. Júlio, então, posta-se por detrás de Pedro, de forma que esse último fique entre ele e Rosana, pedindo, em seguida, que essa se aproxime dele, Júlio. Rosana vai na direção de Júlio, em rota de colisão com Pedro, mas, antes que a colisão ocorra, DESVIA-SE, evitando-a. Júlio pergunta por que, em vez de caminhar em linha reta na direção dele, ela se desviou. Rosana responde que não sabe, que simplesmente lhe deu vontade de desviar. Perguntada novamente sobre os que estão na sala, continua sem ser capaz de reconhecer a presença de Pedro. Note-se que os estudiosos do fenômeno – denominado alucinação negativa por indução pós-hipnótica – são unânimes em afirmar ter razão para sustentar que os sujeitos dessa experiência não estão simulando, que não estão mentindo quando afirmam não ver as pessoas ou objetos dos quais, não obstante isso, são capazes de se desviar. Ou seja, têm CIÊNCIA – conhecimento não verbal – mas não têm CO(NS)CIÊNCIA da presença da pessoa de quem se desvia.
A maior de todas as descobertas freudiana foi a de que, enquanto não encontra seu EQUIVALENTE VERBAL, toda a CIÊNCIA NÃO VERBAL de uma experiência relevante fica dentro de nós procurando pirandellianamente esse seu companheiro, como uma personagem à procura de um autor. E como, por razões históricas, o acesso a esse equivalente verbal está interditado, acaba por escolher representantes não verbais para simbolizar a palavra que falta. Esses equivalentes "ilegítimos" são os sintomas, e a função da Psicanálise é levantar aquele interdito, cessando a procura desesperada pelo equivalente legitimo, verbal.
A palavra "termo" provém do latim terminus (= término). Não é à toa, que a experiência humana só chega a termo, quando chega ao termo.