por Luís César Ebraico
Mais uma vez, transcrevo um diálogo travado via e-mail:
"Luís César Ebraico, como vai o Senhor?
Tenho buscado muito sobre o tema, luto, perda de entes queridos. Muito se fala, sobre perda de filhos, tendo esse como o luto mais sofrido. Sou mãe e avalio que seja mesmo, mas aos onze anos, sete meses e doze dias de idade, perdi minha mãe, sou filha única, meu pai logo casou-se de novo, vivi sempre com meus avos maternos desde então e agora, aos 54, perdi minha avó, com quem sempre convivi. Ela sempre morou comigo, mesmo depois de meu casamento e percebi com isso, que vivo um luto crônico da perda de minha mãe, e está muito difícil viver agora a perda de minha avó. Estou estudando muito o assunto luto, mas me pergunto por que fala-se tão pouco sobre o luto na infância, perder a mãe ou o pai, marca-nos pelo resto da vida. Gostaria de uma palavra do senhor a respeito e onde encontro literatura, apropriada ao luto na infância. Agradeço muito sua atenção. Um abraço, Patrícia."
"Não impeça seus filhos de sofrer, quando eles tiverem uma perda"
Minha resposta:
"Patrícia,
Vamos ver o quanto posso ajudar dentro dos limites que permite uma troca de e-mails. Tentemos o seguinte: sugiro primeiro que você dê uma olhada nos artigos: "Luto precisa ser vivido" – clique aqui e leia e "Processo de perda ou luto tem cinco etapas" – clique aqui e leia.
Esses dois textos falam de perda e sua mensagem essencial é a de que:
1º) Toda a perda é frustrante e TENTAR NEGAR ISSO NÃO É SAUDÁVEL;
2º) O que é fundamental é que se impeça que a "frustração" da perda se transforme em "trauma";
3º) Uma diferença fundamental entre frustração e trauma é que a dor da primeira se mantém localizada onde a ferida ocorreu – por exemplo, se alguém que gosta de jogar futebol tem uma perna amputada, sofre por não poder mais fazê-lo da forma que anteriormente fazia – a dor do trauma, por sua vez, contamina, como uma metástase, praticamente todas as áreas da vida do sujeito, atingindo áreas que, na verdade, não foram diretamente atingidas – por exemplo, esse mesmo sujeito que perdeu sua perna, não apenas tem seu futebol atingido, mas também sua vida sexual, afetiva, social, profissional, etc;
4º) O "segredo" para que se impeça que uma frustração – por maior que ela seja – se transforme em trauma é atravessar com sucesso um processo de luto, cuja essência é a de O DIREITO DE SOFRER da pessoa que foi vítima da perda NÃO SEJA INVALIDADO;
5º) Mais esclarecimentos sobre as diferenças entre "frustração" e "trauma" e sobre as maneiras de impedir que a primeira se transforme neste último podem ser encontrados no meu livro "A Nova Conversa" (Rio: Ediouro, 2004);
6º) Em tempo: o fato de a perda haver ocorrido na infância pode torná-la mais impactante, mas a forma de lidar com ela é, em qualquer idade, essencialmente a mesma: é proibido ILEGITIMAR A DOR daquele que está sofrendo. Tenho mais de um caso em que observei as desastrosas conseqüências de mães que, com as melhores das intenções, mas sem conhecimento adequado, tentaram calar a dor de um(a) filho(a) que perdeu – por falecimento, por divórcio, etc. – o pai, dizendo que não se preocupasse, pois ela, mãe, passaria a ser pai e mãe ao mesmo tempo. Uma chegou a dizer ao filho que ela ia ser "pãe" ( = pai e mãe ). Não deu certo, nem poderia dar. Essas vítimas de boas intenções ou ficam traumatizadas para sempre ou vão ter que enfrentar com a ajuda de um terapeuta a dor que lhes foi impedida sentir quando ela originalmente ocorreu;
7º) Um último comentário. Você disse que é mãe. NÃO IMPEÇA SEUS FILHOS DE SOFRER, QUANDO ELES TIVEREM UMA PERDA, nem que seja tão pequena quanto a de uma bola de gude. Escute-os simplesmente e mostre que está ao lado deles. Diga algo como: "Que chato meu filho! Posso fazer alguma coisa por você?" Já vi crianças responderem: "Não, mamãe, tudo bem, eu só queria falar como eu fiquei chateado!" Isso vai permitir que seu filho siga adiante, sem ficar fixado para sempre – trauma sempre implica fixação! – na lembrança da bola de gude que perdeu."