Por que a aposentadoria é um objeto de desejo?  

Por que uma sociedade tem como objeto de desejo a aposentadoria, ou seja,  dispensar sua força de trabalho, ainda melhor treinada e dotada do maior conhecimento disponível?

Ao longo do tempo, nos habituamos com situações que não apenas passam a fazer sentido para nós, como são objeto de nossos desejos. A vida de aposentado é certamente uma dessas situações. Vamos ver isso com calma.

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Que motivo levaria uma sociedade a dispensar sua força de trabalho melhor treinada e dotada do maior conhecimento disponível? A aposentadoria é uma dispensa da necessidade de trabalhar. Isso deve significar que essas pessoas não possuem mais as qualidades necessárias para participar da vida social relevante.

 Isso porque o trabalho é aquilo que caracteriza de maneira especial nosso modo de vida. Aquele que não trabalha não desempenha uma função essencial no mundo contemporâneo. Quem não trabalha é alguém incapacitado por características físicas, psicológicas ou por questões morais. Em ambos os casos se tratam de pessoas que não estão inseridas na sociedade do mesmo modo que os demais. As limitações físicas e psicológicas de alguns tem sido contornadas por processos de readaptação ao mercado de trabalho. Assim, quem não pode desempenhar determinadas funções laborais é encaminhado para outras, de tal forma que se torne útil para a sociedade.

Essas adaptações não podem ser realizadas quando a pessoa não deseja trabalhar. Esse caso é uma verdadeira aberração porque parece indicar uma atitude de repúdio à própria sociedade. Talvez porque esse repúdio implique em uma indisposição para ajustar-se à sociedade. Talvez a preguiça ou a aversão ao trabalho indique um centramento do indivíduo em si mesmo, avesso a qualquer possibilidade de adaptação à sociedade existente.

Isso revela o quanto nossas sociedades estão ligadas ao trabalho porque um preguiçoso convicto é uma espécie de autista, um egocêntrico que não percebe o sentido da vida laboral de todos nós, os trabalhadores. Se trata de uma recusa tão grave que talvez ela nem exista de fato, como uma aversão determinada ao mundo do trabalho. Só consigo me lembrar de pessoas que não se adaptaram a várias funções, que não gostam de fazer esforços, mas de nenhuma que tenha se negado, por princípio e convicção, a trabalhar.

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O trabalho é algo que te define  

Assim, vemos como o trabalho é algo que nos define. Afinal, o preguiçoso convicto é um ser antissocial, um ser fora do mundo, um pária. E se o trabalho é tão fundamental a ponto de fazer parte da própria definição do homem contemporâneo, o aposentado não faz mesmo nenhum sentido.

 Você se dedica anos a uma função induzido pelas forças sociais que possuem uma profunda aversão pela preguiça, pela falta de compromisso e dedicação. Afinal, é natural tornar-se uma pessoa entre outras pessoas, fazer parte e ser aceito pelos demais. E quando você realiza essa adaptação, torna-se inteiramente social por meio do trabalho, você adquire o direito a …. abandonar tudo isso e tornar-se um aposentado.

Só os trabalhadores podem se aposentar porque os preguiçosos convictos, esses jamais poderão atingir essa condição – porque sempre foram aposentados. Há certamente algo errado na condição de aposentado porque ela não faz nenhum sentido.

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Se pensarmos que os velhos não são mais capazes de realizar as funções a que se dedicaram, porque suas habilidades laborais declinam com o tempo, isso deveria indicar a necessidade de readaptá-los ao trabalho. Afinal é isso que tem sido feito com aqueles que não possuem todas as habilidades normais para o trabalho. A aposentadoria, nesse caso, não poderia conduzir a uma vida sem trabalho e sim a outras formas de trabalho ajustadas às novas capacidades da velhice.         

Talvez a aposentadoria revele de maneira muito clara a completa falta de sentido de uma sociedade definida pelo trabalho. Se todos nós queremos ser aposentados é porque não gostamos de trabalhar. E se não gostamos de trabalhar, trabalhamos subjugados pela força. Porém, trabalhar de maneira forçada é o que define a escravidão.

Ronie Alexsandro Teles da Silveira é professor de filosofia e trabalha na Universidade Federal do Sul da Bahia. Mais informações: https://roniefilosofia.wixsite.com/ronie