Adolescente vulnerável: a experiência de vida desempenha um papel importante em como o cérebro se desenvolve. Mas… qual é a relação entre o que ocorre com o cérebro na infância e adolescência?
A Fiocruz alerta para o aumento da taxa de suicídio entre crianças e jovens, apresentando um estudo do Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs) da Fundação Oswaldo Cruz, publicado em fevereiro desse ano, que mostra que a taxa de suicídio entre jovens cresceu 6% por ano no Brasil entre 2011 e 2022 e as taxas de notificações por autolesões, na faixa de 10 a 24 anos de idade, evoluíram 29% ao ano no mesmo período.
Os dados da Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS), do Ministério da Saúde, indicam que o aumento do risco de morte por suicídio se deu em todas as regiões do País, tendo o Sul e o Centro-Oeste registrado as maiores taxas. Os casos de suicídio aumentaram 43% no Brasil em uma década, passando de 9.454, em 2010, para 13.523, em 2019. Entre os adolescentes, o aumento foi de 81%, indo de 3,5 suicídios por 100 mil adolescentes para 6,4. Nos casos de menores de 14 anos, houve um aumento de 113% na taxa de mortalidade por suicídios de 2010 a 2023, fazendo do suicídio a quarta causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos.
São estatísticas alarmantes!
Sabe-se que a adolescência é uma época de grandes desafios, de intensa criatividade e de grandes alterações no desenvolvimento do cérebro.
Existe uma visão limitada a respeito do que acontece na fase da adolescência, que postula que a mudança hormonal é a responsável pelo desequilíbrio, que considera ser a adolescência uma época de imaturidade, que precisa ser tolerada e que o adolescente precisa passar da dependência total do adulto para a independência total.
Imaturidade não é o termo adequado para descrever essa época. A adolescência é uma época de intensidade emocional, social e uma época de criatividade. Traduz a essência de como a pessoa deveria ser, é capaz de ser e de como precisa ser como indivíduo.
A natureza dos laços que o adolescente mantém com seus pais se altera. Ele deixa de precisar tanto dos cuidados e da ajuda dos adultos e passa a se apoiar nos seus iguais. Isso é interdependência e não independência total. A necessidade de vínculos íntimos permanece ao longo da vida.
O psiquiatra Daniel Siegel mostra que as alterações cerebrais durante os primeiros anos da adolescência estabelecem quatro características na mente: a busca por novidade, o engajamento social, o aumento da intensidade das emoções e a exploração criativa.
Os adolescentes desenvolvem novas maneiras de estar no mundo, ao buscarem diferentes formas de se relacionar com os amigos, ao se rebelarem contra modos habituais de fazer as coisas, ao buscarem emoções mais intensas. Isso determina vantagens e desvantagens, benefícios e riscos.
A adolescência é uma época de risco e recompensa. Existem aspectos da vida que melhoram na adolescência como o aumento da força física, o aumento da função imunológica, a melhor resistência ao calor e ao frio, a maior agilidade e velocidade de reações. Porém, sabe-se também, que o adolescente é 3 vezes mais propenso a sofrer ferimentos graves e a morrer. A possibilidade de atitudes extremas de risco passa a existir pelo desejo de ampliar os limites.
Os adolescentes, em geral, não ignoram as consequências negativas de seus atos, mas eles colocam mais ênfase nos aspectos positivos em potencial da experiência da emoção, da experiência compartilhada, da diversão e da excitação por estar transgredindo regras.
A mente adolescente começa a explorar os significados mais profundos da vida, das amizades, dos pais, da escola. Surge a capacidade de refletir sobre si mesmo e a necessidade da experiência interpessoal para cultivar o autoconhecimento. A concentração da atenção estimula diretamente o desenvolvimento das redes neuronais responsáveis pelas funções.
A criança tem um modo de pensar concreto e um aprendizado baseado em fatos. O adolescente tem capacidade para lidar com conceitos complexos, tem capacidade de reflexão e de reflexão sobre o que reflete e capacidade para pensamento divergente (pensar fora da caixa), o que favorece explorações criativas.
Cérebro adolescente e vulnerabilidade
É importante saber que qualquer vulnerabilidade na constituição do cérebro durante a infância pode influenciar a vulnerabilidade no cérebro adolescente. A experiência de vida desempenha um papel importante em como o cérebro se desenvolve.
Cumpre então refletir a respeito de como estamos criando e educando nossas crianças. Será que estamos garantindo a proteção e a segurança necessárias a nossos filhos? Estarão eles se desenvolvendo como seres humanos capazes de se adaptarem de forma flexível, inteligente, resiliente e ética ao mundo?
Estamos frente a uma geração de adolescentes que tem as tecnologias digitais emaranhadas em suas vidas. A impregnação das telas na infância, a ampliação de seu uso na pré-adolescência e a submersão a telas na adolescência podem levar ao vício digital.
A utilização da tecnologia de forma indiscriminada provoca o desequilíbrio cognitivo, potencializa os transtornos de atenção, os transtornos obsessivos, de ansiedade e problemas com a linguagem e a comunicação, o que afeta diretamente a aprendizagem.A permanência exagerada de pais e filhos no mundo virtual tem empobrecido as interações familiares.
Com certeza, o excesso do uso das telas não é o único fator responsável pelo aumento de suicídio, mas pode ser um fator importante. Carência afetivas e sociais, negligência dos cuidadores, falta de intimidade e de confiança na família, vivências de bullying, dificuldades escolares etc. podem trazer aumentos de estresse até níveis insuportáveis e podem ocasionar perdas de controle, pois as funções de equilibração do cérebro podem ser alteradas.
Pode ser possível que o adolescente, na nossa sociedade e nos nossos tempos, esteja experimentando algo além das inevitáveis emoções intensas da adolescência. Pode ser que ele não tenha sido ensinado, desde a infância, a tolerar frustração, a adiar satisfação de necessidades, a enfrentar adversidades e a aprender o enfrentamento ao estresse. Especialistas de diferentes áreas indicam mais atenção e informação sobre o suicídio. Talvez, possa-se sugerir também mais atenção aos cuidados com as crianças, futuros adolescentes, desde as idades mais precoces, na tentativa da profilaxia do suicídio.