Vergonha: o que está por trás dessa emoção que tanto dói?

Vergonha: pouco se fala ou se escreve sobre essa, que é uma das emoções mais dolorosas. Trata-se de um estado emocional e fisiológico, uma condição psicológica determinada pelo conhecimento de se ter feito algo desonroso; entenda     

A vergonha é considerada uma emoção “adormecida”. Recentemente, o filme “Divertida Mente 2”, ao descrever emoções como personagens, dá destaque à vergonha, além da ansiedade, da inveja e do tédio. No filme Divertida mente 1, apareciam a alegria, a tristeza, a raiva, o medo e o nojo, consideradas emoções mais primárias.

A vergonha é um estado emocional, um estado fisiológico, uma condição psicológica que implica em um conjunto de reações comportamentais, determinado pelo conhecimento de ter feito algo desonroso.

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Por que envergonhar-se é tão doloroso?

É uma das mais dolorosas emoções, pois é a internalização da experiência da possibilidade da perda da consideração, do amor e de atenção de alguém importante.

É uma emoção que sinaliza a necessidade da autocorreção e assim, é importante para o equilíbrio emocional. Ela tem um papel estruturante na personalidade da pessoa.

Entretanto, a vergonha tem história importante como força patogênica. A vivência crônica da vergonha, leva a sintomas psicológicos, a dificuldades de crescimento pessoal e até a doenças psiquiátricas. Ser “engolfado” pela vergonha, pode levar a um colapso e não assumir a vergonha, mediante mecanismos de negação ou de dissociação, pode levar à falta de sentimento ou à raiva defensiva.

A vergonha tende a passar despercebida por pacientes e terapeutas

É chamada de emoção “adormecida”, pois, apesar de seu papel generalizado na psicopatologia, tende a passar despercebida por pacientes e terapeutas. É descrita como um estado de angústia aguda envolvendo imagens de ser olhado de modo desvalorizado por um outro valorizado. Essas imagens são acompanhadas por uma vontade de se esconder, expressa no enterrar o rosto nas mãos, no esconder-se debaixo de um capuz ou no desejo de rastejar para dentro de um buraco. Quando envergonhados, podemos ficar sem palavras, nos sentir expostos e sermos inundados por solidão. É uma experiência abrangente de desesperança e desamparo.

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A vergonha é diferente de culpa. Ela se desenvolve mais precocemente que a culpa e é evolutivamente mais importante pela possibilidade da autocorreção.

A vergonha em cada fase da vida

Quando aparece a experiência da vergonha e como surge a capacidade para regular a vergonha?

No fim do 1º ano de vida, a experiência da vergonha é fundamental para o desenvolvimento da capacidade de regular a função parassimpática do sistema nervoso, isto é a função de equilíbrio, de diminuição do estado de excitação elevado.  

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Quando o bebê começa a engatinhar e a andar, ele traz uma complicação considerável nos modos da mãe tomar conta dele. Até esse ponto, a relação mãe-bebê era uma rotina de trocas afetivas por espelhamento, o bebê vê a aprovação nos olhos da mãe e continua a se reconhecer no olhar aprovador dela. Porém, surge a necessidade de restringir a atividade exuberante do bebê, para evitar perigos.  

Nessa fase, em média, a cada 6 minutos, a mãe precisa colocar limite à hiperatividade do bebê para protegê-lo. Ela faz isso pela indução de proibição, isto é, o bebê não vê mais a aprovação no olhar da mãe e para. Essa é a indução precoce de estados de vergonha, que causa a diminuição da excitabilidade e protege o bebê.

Explorando o ambiente, de tempos em tempos, o bebê olha para a mãe ou cuidador, na expectativa do olhar aprovador. Ao receber um não ou ao perceber a desaprovação expressa pela face ou pela vocalização de alarme, ele para, chora e busca a mãe, esperando ser acolhido. Ao ser acolhido e apaziguado, a vergonha é seguida pela re-sintonização com a mãe. Reassegurado pelo amor da mãe, o bebê volta a se interessar pelo mundo. É importante nesse período do desenvolvimento, a capacidade do cuidador induzir vergonha com moderação.

Na infância, a experiência de se envergonhar é necessária para estabelecer os limites, pois as crianças pequenas não são capazes de lidar com relações de causalidade. Mais tarde, quando as crianças conseguem pensar sobre suas próprias ações, a culpa se torna a formadora da consciência e a vergonha se mantém intrínseca.

Nos adolescentes e adultos, a vergonha se origina em estados intensamente dolorosos induzidos por erros inesperados. Quando engolfados pela vergonha sofremos um profundo colapso. A atenção é focada em um fechamento interno, mas é necessário recuperar o capacidade de autorreflexão. A capacidade para processar, para elaborar a vergonha adaptativamente é crucial para o desenvolvimento pessoal e social. A vergonha é reguladora da autoestima, pelo desejo de voltar a se sentir valorizado.

É psicóloga especializada em psicoterapia de crianças e adolescentes. Mestre em psicologia clínica pela PUC-SP, Doutora em Distúrbios da Comunicação Humana pela Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo, professora do Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Clínica da PUC e autora de vários livros, entre eles 'Pais que educam - Uma aventura inesquecível' Editora Gente.