por Roberto Goldkorn
É muito comum e até virou um bordão fazer as tais declarações de fim de ano. "No ano que vem vou emagrecer 15 quilos, vou trocar de carro, vou terminar com o João (ele que espere se pensa que vai me enrolar mais um ano) vou ganhar dinheiro, vou pagar o cheque especial, etc."
Nada contra esses arroubos fimdeanistas. Mas como muitos já devem ter reparado isso raramente funciona. E não funciona porque carece de energia criativa, genuína, confiável. Vai na esteira da satisfação aos nossos "cobradores" internos e externos, como se quiséssemos fazer como os governos: "Esse ano já era, nada mais a fazer mas no ano que vem…"
Tudo vira pó no moinho do novo ano que logo se torna adolescente e mais rápido ainda envelhece, misturando as nossas 'ameaças' de fim de ano, num 'pum' inócuo, que não assusta ninguém.
O que sugiro? Justamente o contrário. Ao invés das afirmações cheias de gás volátil, interrogações repletas de 'veneno' ao estilo socrático. Devemos nos questionar com absurda sinceridade sobre o nosso desempenho no ano que acaba de ficar senil.
Como o imortal Sócrates, precisamos demonstrar uma curiosidade legítima, uma ânsia de respostas de interrogatório policial, mas acima de tudo fazer as perguntas certas. Será nas respostas que pudermos dar ou que não pudermos dar que encontraremos as rotas para um ano novo mais produtivo.
Mas dirão alguns já tentados a ir na minha, mas ainda desconfiados acerca do 'método':
Que tipo de perguntas devo fazer?
Como as minhas respostas a essas perguntas podem me levar a algo novo?
Vamos por partes. Em primeiro lugar as perguntas devem ser frutos de uma autêntica necessidade de saber, de conhecer as causas, os motivos por trás das ações visíveis ou da falta de ações.
Em segundo lugar… Bem não existe segundo lugar, vamos facilitar as coisas, que afinal fim de ano todo mundo já está meio de saco cheio, meio saturado. Vou fazer um pequeno roteiro dos tipos de perguntas que podem ser feitas, e como processar as respostas que podem ou não advir.
Para facilitar ainda mais vou colocar as perguntas socráticas em compartimentos. Cada um pára, ou pula os compartimentos que achar pertinente.
Vida sentimental
Olhando para trás, que nome eu daria à minha vida sentimental esse ano? Por quê?
Se o nome que escolhi foi negativo, a quem se deve essa nota tão ruim (não vale trapacear)?
Olhando mais para trás ainda, posso dizer que nesse ano repeti de uma forma ou de outra, os mesmos scripts sentimentais dos anos anteriores?
Se assim foi, o que eu fiz para que isso acontecesse? Para os amigos íntimos voltei a insistir na culpa dos outros? Observando com a lente de aumento da verdade: meu comportamento foi o mesmo dos outros anos quando as coisas também não deram certo? Os culpados foram os mesmos de sempre?
O que eu poderia fazer efetivamente (sem desejar que os outros mudem ou melhorem) para mudar isso?
Vida profissional
Fazendo agora o balanço do ano como posso considerar o meu desempenho profissional? Do ponto de vista das minhas projeções antigas, em que lugar fiquei no ano passado?
Foi um real passo a frente? Fiquei estagnado (a)? Dei um passo adiante? Em, qual sentido isso pode ser considerado, ou seja como faço essa medição, quais os critérios que estou usando?
As pessoas a quem respeito profissionalmente ou em termos pessoais concordariam com os meus critérios de avaliação?
Hoje, com o ano no fim, qual o meu grau de satisfação pessoal/profissional?
Perdi o 'bonde' profissional em 2007? Falando com absoluta franqueza qual a minha contribuição para que isso acontecesse? Quais as reais oportunidades que perdi para progredir profissionalmente? Perdi por quê?
Olhando o ano como quem observa uma tela, quais as mudanças que preciso fazer para essa tela ficar mais perfeita? Sou capaz disso? Nesse ano que está começando tenho condições de iniciar um real projeto de decolagem profissional? Por quê? Qual o primeiro passo?
Vida familiar
Observando a minha relação com a minha família (ou alguns membros dela) no ano que passou, como poderia classificá-la? Em que grau ela contribuiu para o meu inferno ou para o meu céu?
Esse ano foi apenas mais um elo na longa corrente de sacrifícios e penalizações que me une a minha família? Quais as decisões que havia tomado no fim do ano passado e que nem mesmo esbocei colocar em prática em relação a minha família?
De onde vem tanta dificuldade em lidar com assuntos de família? E com essa pessoa em particular, por que é tão difícil qualquer entendimento com ela? O que ficou para trás que consegue fazer tudo virar um tormento? Cheguei a pelo menos avaliar a minha responsabilidade nessa confusão? Pelo menos tentei retroceder, ou empaquei na minha posição 'certa' e alimentei o 'monstro'?
Até que ponto contribui de forma inquestionável para complicar ou tornar a minha família (ou membros dela) infelizes? Isso é um repeteco de anos anteriores? Isso me faz bem? Se não por que não consigo mudar o disco? Não seria hora de pedir ajuda?
Poderia eleger esse ano novo para começar a mexer nesse baú familiar? Qual o primeiro passo nessa direção? O que posso fazer para não repetir mais um ano os mesmos comportamentos que acabam obtendo as mesmas respostas de sempre?
Vida social
Ao fazer o balanço do ano posso afirmar que conquistei ou mantive bons amigos? Se pudesse ficar invisível e ouvir o que os 'meus amigos' dizem de mim, sairia sorrindo ou em prantos? Será que me esforcei o suficiente para cultivar o meu jardim de amizades? Alguns dos meus amigos de ontem são (ou serão) inimigos amanhã? Por que isso aconteceu? Isso é um padrão? Se é um padrão, terei a coragem de examinar criticamente a minha responsabilidade nesses episódios? Ou será que os ex-amigos e atuais inimigos é que definitivamente não prestam? Se assim for realmente não estará na hora de reavaliar meus critérios para a admissão de pessoas no meu 'círculo de amigos?'
Olhando em retrospectiva: ouvi mais ou falei mais com os meus amigos? Algum deles já reclamou mesmo brincando de que eu 'cobro' demais? Falando francamente sou generoso com os meus amigos? Ou exijo e peço muito mais do que dou? Minha relação com eles (as) é equilibrada?
Apenas como exercício de fantasia: "Se eu morresse amanhã, quantas pessoas iriam ao meu enterro? Quantas realmente iriam sentir a perda?"
Esse exercício poderia continuar indefinidamente, e ser aplicado em outras áreas, como por exemplo, na nossa vida espiritual, sexual, etc.
As respostas ou o desenvolvimento dessas respostas, até mesmo os "não sei, não tenho certeza" serão importantes no desenvolvimento desse ano nem tão novo assim.
Para finalizar já que a minha inspiração é o grande Sócrates, vamos deixar que ele fale:
"O ar que se respira numa democracia (e na atmosfera pessoal – isso fui eu quem acrescentou) só é saudável quando toda proposta e todo projeto está constantemente sendo submetido à investigação, mesmo nas próprias bases de nossa maneira de viver."